Sons da Perifa https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br Um blog sobre cultura periférica, a voz da periferia Mon, 13 Dec 2021 15:07:17 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Nic Dias fala sobre trap na Amazônia: ‘eu existir e trabalhar com rap já é uma vitória’ https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/2020/08/17/nic-dias-fala-sobre-trap-na-amazonia-eu-existir-e-trabalhar-com-rap-ja-e-uma-vitoria/ https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/2020/08/17/nic-dias-fala-sobre-trap-na-amazonia-eu-existir-e-trabalhar-com-rap-ja-e-uma-vitoria/#respond Mon, 17 Aug 2020 15:02:16 +0000 https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/Nic2-por-Vitoria-Leona_3-300x215.jpg https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/?p=75 “Não tem essa de rap de mina, rap é rap. Quando você for ouvir um rap ouça as rimas ao invés de falar que não tem rap de mina. Se você tem internet pra falar besteira tem para dar um google”. A opinião é da cantora Tasha, durante a live com sua irmã Tracie, em resposta a mensagens preconceituosas de alguns internautas durante a transmissão.

Talvez você ache que para ser rapper é preciso ter cara de mau ou ser durão, “sem risadinha porque aqui é o rap onde o povo é brabo entendeu? O povo é mau! Mau! Para trabalhar nesse emprego de rapper você tem que ser mau”, diz Emicida com sua filha gargalhando ao fundo na música “Cananéia, Iguape e Ilha Comprida”.

É, o rap definitivamente não é isso, mas durão? Bom, isso a mulher preta de quebrada tem de sobra.

A rapper Nic Dias (Foto Vitoria Leona)

Periferia é periferia em qualquer lugar, seja da ponte pra cá ou da ponte aérea pra lá de Belém do Pará, mais precisamente na periferia de Icoaraci onde Nicole Dias, 21, conhecida como Nic Dias nas redes faz sucesso como rapper, ativista e compositora.

“O rap já estava presente na minha vida desde pequena. Na real, todo mundo aqui na periferia ouve rap, além dos sons ‘mais regionais’ como o tecnomelody, os clássicos do Racionais Mc’s sempre estiveram presente em todas as periferias do Brasil, inclusive aqui”, diz Nic Dias. Prova disso foi um vídeo que viralizou onde mostra a reação emocionada de um vendedor ambulante no meio da multidão em pleno carnaval de Salvador, ao ver o Mano Brown subindo no trio para cantar Negro Drama.

“Mandinga, coisa nossa. Eles não vão entender o que são riscos, e nem que nossos livros de história foram discos” já dizia Emicida na música “Ubuntu Fristili”. Na quebrada, a música forma caráter e mostra quem somos e para onde vamos. Nic conta que mesmo que de forma inconsciente, o rap estava presente na sua vida.

“Durante a pré-adolescência eu passei a prestar mais atenção ao que o rap sempre me disse, por começar a vivenciar de modo mais agressivo as diversas formas de violência que atravessavam o meu corpo”, relembra ela que afirma que ao se questionar o porquê disso tudo, notou o rap dialogando sobre autonomia, algo que ela nunca aprendeu na escola. “Passei a entender melhor quem eu era e a entender a figura do negro no Brasil”.

Entre guitarradas e tecnomelody, ritmos com espaços popularmente consolidados nas quebradas paraenses, o rap veio chegando “devagar devagarinho” na cena musical das comunidades.

“O movimento hip hop em Belém existe desde os anos 1990. Foi com muita luta que os irmãos e as irmãs do movimento foram construindo esse espaço dentro do cenário musical daqui, mesmo com muita opressão por ser um ritmo marginalizado socialmente, e de toda a questão da falta de estrutura e recursos, a cena vem se construindo aos poucos”, diz Nic.

Ela completa ainda que fazer trap na Amazônia é bem difícil, principalmente, quando se deixa de lado “aquele regionalismo estereotipado de falar sobre açaí com camarão, farinha, Ver-o-Peso’’.

“Acredito que a aceitação em si é a menor dificuldade enfrentada pelos artistas de rap nortistas. O maior problema é a falta de infraestrutura, o acesso aos recursos, ou seja, o leque de possibilidades de profissionalizar a tua arte é bem pequeno, e como as pessoas vão levar a sério o que tu faz?” completa.

Mas como qualquer ritmo de quebrada, o trap só se fortalece com as dificuldades. Nic, por exemplo, até cita alguns parceiros que estão na mesma “caminhada” que ela no Norte, como MC Super Shock, CPG77, Ruth Clark MC, Yasmin Oss, Drin, Pele do Manifesto, Bruna BG, e o Navi Beatz. Mas, ela avisa, que a lista de “artistas incríveis aqui no estado (Pará) é infinita”.

Entre Dina Di, considerada por muitos a primeira rapper, e Nic Dias, muita coisa mudou para as mulheres na cena.

“Eu não costumo falar que meu som é empoderamento feminino, eu gosto de imaginar que só o fato de eu existir e estar trabalhando com rap já é uma vitória para nossa comunidade negra”, diz Nic que explica que para além do recorte feminino, costuma pensar que sua luta é coletiva para homens negros e mulheres negras, da periferia ou não e cita o rapper Kayuá que afirma que: “ver preto vencendo já é uma mensagem”.

Longe de ser uma voz melódica no trap, Nic Dias veio com rimas pesadas no seu último single. Ela analisa que, normalmente, espera-se que minas que fazem rap tenham uma voz suave cantando de forma melódica e delicada fazendo os famosos “lovesongs”.

“Nada contra quem faz, a arte é livre pra ser o que quiser”, esclarece ela, que explica que seu som vai na na contramão disso. “‘Baby Prince$$’ é um trap que fala sobre como as mulheres pretas devem se sentir gostosas, independentes, fodas e chefonas. Além de abordar questões como da violência policial. Esse single foi um divisor de águas na minha vida, porque eu entendi que posso falar e fazer o que quiser e como eu quiser, além de passar essa visão”, diz Nic.

“No momento, estou trabalhando no projeto do meu disco com dez faixas que vai ser lançado no final de 2021 com muita surpresa boa”. Estamos no aguardo, Nic.

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