Sons da Perifa https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br Um blog sobre cultura periférica, a voz da periferia Mon, 13 Dec 2021 15:07:17 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Um rolê no baile da DZ7 https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/2020/12/01/um-role-no-baile-da-dz7/ https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/2020/12/01/um-role-no-baile-da-dz7/#respond Tue, 01 Dec 2020 17:10:50 +0000 https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/Sem-Título-1-300x215.jpg https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/?p=263 “Um sábado desse, uma lua dessa, todos os caminhos te levam a favela, pra esquecer do estresse que a semana teve, hoje é bailão emendado na rave”. Calor, 23h, sem grana no bolso, longe do centro e de tudo, o extremo sul parece um continente de tão grande, parceiro.

O baile da DZ7 em Paraisópolis, São Paulo, é o rolê de hoje, então se prepara— tudo pode acontecer. No bolso, as chaves de casa, carteira e o celular. Cuide do seu celular. Chegando na Av. Hebe Camargo, de longe já ouço, “vapo, vapo, vapo… terror dos bailes!” música que lentamente vai se misturando no meio dos roncos dos motores das motos, buzinas, carros e pessoas falando muito alto. Proposital? Sim, esse é o clima, bom, se acostuma.

Nesse momento a sensação é a de estarmos atuando em um filme do Alejandro Iñárritu. Sabe aquele diretor que curte um plano de sequência? Então se liga, assim que chegamos na Rua Hebert Spencer acabam os créditos iniciais e começa a cena: “Tá rocheda, tô nem vendo/ Pode crê, você merece um prêmio/ De mulher mais bandida do mundo/ O coração que é vagabundo, vagabundo”, música do Barões da Pisadinha torando na caixa de som do barzinho que fica embaixo de uma pizzaria, enquanto um casal de idosos dançam grudadinhos e alguns bebuns jogam sinuca e bebem bomberinho — ou seria Dreher?

À minha direita estão vestidos com camiseta da Fundão, à minha esquerda com bermuda da Um da Sul. Juliette, Oakley, Lacoste, Ciclone, perfume 212, boné da Ferrari. Tudo original, originado dos camelôs de Santo Amaro e shopping Largo 13, outfit de quebrada.

Os guarda-chuvas tomam a DZ7 como uma espetáculo à parte. Isso você só vê aqui nos bailes de São Paulo. 19 de janeiro de 2020 (Foto: Jairo Malta)

“Vraammm vammm” fica ligeiro! Os moleques passam colados em você a milhão para subir a ladeira, já você cansa só de olha lá para cima. É bom explicar que quebrada não tem calçada, a gente vai andando pela rua e disputando espaço com os carros, motos, food trucks estacionados e os manos de bike.

Já estou suando, cansado e o rolê nem começou. Nossa! Já são meia-noite, é melhor já avisar nosso roteiro: primeiro vamos na DZ7, depois a gente desce para o baile do Bega, fechado?

As ruas já estão lotadas, penso que é impossível encher mais, mas quando olho para trás, uma multidão vem subindo, como numa procissão, mas ao invés das cruzes, guarda-chuvas e garrafas de Ciroc e Red Label nas mãos. Mas como pode? De onde vem tanta gente? Das quebradas claro, playboy não vem aqui, eles têm medo desse lugar. Medo de onde a gente mora. Certo eles.

“O tia, me vê um dogão e uma coca?”. Melhor eu dar uma ‘forrada’ no estômago antes de começar a beber, o dia… quer dizer, a noite vai ser longa.

“Senhor! Proteja e defenda eles do mal com o poder de tua divina graça”, um grupo de evangélicos na entrada do baile tenta impedir a gente de passar. Vou memorizar essa oração, talvez eu precise dela no fim da noite.

Em questão de segundos o baile fica vermelho como sangue, calma, são os sinalizadores que o dono de um dos carros de som acendeu. Atraídos pela luz , o bar que estamos fica tão cheio quanto uma colmeia de besouros. Ali parece que foi dada a largada da festa. O som que já era alto cresce de uma forma que entra na sua mente a ponto de você não conseguir diferenciá-lo dos seus pensamentos. Os carros são equipados com paredões super potentes cheios de luzes e letreiros que piscam conforme a música vai tocando. Em cima de alguns deles pessoas estão em pé, outras sentadas, algumas dançando e bebendo.

Parceiro, sabe onde fica o baile do Bega? “Mano, é só descer a Spencer e virar a segunda a direta” , diz o dono do bar enquanto acende mais um sinalizador, dessa vez azul.

Enquanto andamos em direção ao novo destino, você talvez se pergunte “e se começar um tumulto? Para onde eu vou?”, não tem para onde ir, por isso guarde aquela oração.

“O Bega nunca decepciona”, é o que o DJ diz no microfone. Zero estrutura e máxima lotação, aqui a festa nunca termina. 19 de janeiro de 2020 (Foto: Jairo Malta)

Passar pelo meio do baile é um rolê antropológico. Nos carros de som ficam várias meninas dançando e um bando de adolescentes de óculos escuro olhando. Na porta do Club 17 , um grupo de jovens, todos virados para a rua com garrafas nas mãos balançando no ritmo da música. Você tenta andar, mas é parado a cada três ou quatro minutos porque alguém precisa passar de moto no meio do fluxo.

Uma atração à parte são os guarda-chuvas ou umbrelas, pode escolher o nome que preferir. Todos de marcas conhecidas como Lacoste, Ferrari, Echo, o engraçado é que essas marcas não fazem guarda-chuva. Eles são balançados violentamente para cima e para baixo fazendo vento, se o objetivo é deixar o rolê climatizado eles são bem eficazes.

Chegamos no Bega. Como você sabe? Dá para perceber que o baile é um pouco diferente. Além dos carros de som com potência mais altas que um show do Metallica no Morumbi, aqui os DJs são bem vindos.

Já quase de dia no baile, aqui a galera é acostumada a virar a noite. 19 de janeiro de 2020 (Foto: Jairo Malta)

“Faz a pose, olha o flash” , diz o DJ Alef no bar MM Pointe com sua mesa de som virada para rua e comandando uma multidão. Dentro do bar quase não dá para enxergar, uma fumaça branca e um cheiro doce de morango paira pelo ar, ou seria melancia?

A hora de ir ao banheiro. “Todo mundo pagou 1 real lá no caixa?”, não tem como ele saber, a fila sai do bar de tão grande. Mas eu paguei, vai que ele sabe.

Durante um voo, a hora que eu tenho mais medo é a do pouso, parece que é o momento de menor controle do piloto. No baile , é a hora de ir embora.

Aqui na quebrada é muito perigoso, você pode estar de carro e ser alvejado com 108 tiros. Pode tentar apartar uma briga e ser morto pela polícia. Um piscar de olhos e você é pisoteado, parceiro. Você e mais sete, oito, nove. Essa é a periferia, que na falta de cultura e lazer contribui para a própria ignorância e termina elegendo suas próprias covas.

São 5h da manhã, aqui a hora voa e a vida também. Depois de um quilômetro de ladeira, chegamos de volta na Av. Hebe Camargo. “87 reais o preço do Uber até o Grajaú? Sé loco, nunca mais eu volto aqui!” Até o próximo fim de semana.

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Sem baile, DJs da 17 trabalham em empregos não essenciais e ficam expostos à Covid-19 https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/2020/07/20/sem-baile-djs-da-17-trabalham-em-empregos-nao-essenciais-e-ficam-expostos-a-covid-19/ https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/2020/07/20/sem-baile-djs-da-17-trabalham-em-empregos-nao-essenciais-e-ficam-expostos-a-covid-19/#respond Mon, 20 Jul 2020 19:22:46 +0000 https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/88e9740462c62a19eee72174bdafd9ade4004fc99f8392c6d292f22e8e3d198a_5ded45e853f10.jpg https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/?p=13 Hoje é sábado, 23h, a noite está quente e seu destino é Paraisópolis, a segunda maior comunidade de São Paulo, que tem mais de 100 mil habitantes.

Você desce do Uber na avenida Hebe Camargo, usando um óculos escuro Juliet —e aí você pode me perguntar, mas óculos de noite? Sim, eu te digo. É estilo, camisa da Lacoste e tênis da Oakley. O que você está vestindo é muito importante neste momento. Imagine que a sensação é de que estamos indo para algum festival de música dos grandes: com muito trânsito para chegar, som alto, pessoas bebendo nas ruas. Você desce algumas vielas e o fluxo (talvez você conheça como baile de rua) começa a ficar maior.

Enfim, você chega na rua Herbet Spencer. Não entendeu? Estamos no Baile da 17. Sim, é agora que você começa a observar os carros tocando funk bem alto com seus paredões de som, jovens de todos os lugares de São Paulo e até excursões de fora do estado presentes na comunidade, todos felizes e bem parecidos pelas roupas, gingado e corte de cabelo.

Talvez você não saiba, mas estar nesse lugar é o atual sonho de muitos jovens —ou nem tão jovens assim. O coronavírus tem não só tirado as vidas de milhares de pessoas, principalmente das comunidades, como também acabado com suas únicas opções de emprego e lazer.

Você pode achar que “era só uma festa, as pessoas podem aguentar durante a quarentena”. Mas será que podem?

O Baile da 17 não é só uma festa. Ele exige muito trabalho para ser feito e emprega muitas pessoas. Tem o DJ, a tia que vende bala, chiclete, cigarro, o pessoal da limpeza, os funcionários dos bares, tabacarias, o cara do carro de som…. Lembrou deles?

“Cheguei a ficar desesperado e pedi a Deus que me desse uma luz”, lembra o DJ Alef, de 26 anos. Morador de Paraisópolis, ele conta que viu as contas começarem a chegar e ficou completamente atônito, “sem saber o que fazer”.

Alef é DJ do Baile do Bega, outra festa de rua de Paraisópolis que veio crescendo nos últimos meses antes da quarentena. Diferente do Baile da 17, o “Bega é uma festa na rua, mais parecida com balada. E, por ficar em uma região mais isolada, não temos problemas com barulho”, explica o DJ, que já tocou em casas de shows como Club A e Love Story. Pois é. Viver de tocar em bailes na periferia era algo que, até então, parecia promissor para ele. “Comprei equipamentos e estava profissionalizando ainda mais o baile”, relembra.

Mas você deve estar se perguntando: “Ué, como um DJ ganha dinheiro em um baile de rua? A entrada não é gratuita?” Bom, sim. A verdade é que você pode começar tocando com uma mesa de som em algum estabelecimento, ou próximo de alguns e, então, “é feito o rateio entre os comerciantes e carrinhos de bebida daquele lugar para pagar o DJ”, explica Alan Carlos, 25 anos, mais conhecido como DJ Neguinho do Uno. Segundo ele, outra opção é equipar o carro com um som bem potente e parar na porta de algum bar ou tabacaria, combinar um valor com o dono e ficar lá, tocando funk e atraindo pessoas para o estabelecimento.

“Cheguei a gastar mais de R$ 17 mil com meu carro para fazer isso mas, por conta da lei do silêncio e das multas, parei de tocar com o carro e trabalho como DJ mesmo”, diz Alan, que hoje é DJ oficial da Equipe Mandelão (se você quiser um paredão de som para tocar em alguma festa aqui em São Paulo, é provavelmente com eles que você vai falar).

O dinheiro que circula no baile funk é bem democrático: vai desde o dono do bar, que ganha mais durante o evento, passa pelo DJ e pela tia que vende bala e cigarro, o dono do carro de som e chega até o pessoal da limpeza, que é pago pra limpar as ruas depois da festa. “Eles fazem um serviço melhor que o da Prefeitura. No dia seguinte do baile, nem parece que teve festa”, afirma Alan.

Mas esse dinheiro está em extinção no momento —e provavelmente será assim por muito tempo. Se as casas de shows da capital estão fechando, como é que está a vida dos trabalhadores dos bailes? “Graças a Deus, arrumei um emprego em uma loja de celulares aqui e estou conseguindo me manter nesse momento” conta Alef. Outros, como o Alan, voltaram a fazer o que faziam antes de se tornarem DJs. “Tenho trabalhado como motoboy de aplicativo enquanto espero a pandemia passar, e tenho visto que muita gente que nem era motoboy antes e que agora está fazendo isso também.”

A atual falta de recursos para as comunidades tem deixado duas problemáticas bem visíveis: a fome e os subempregos cada vez mais precários. Muitos têm aderido o trabalho com aplicativos de entregas, já que hoje você não precisa de uma moto para fazê-las —uma bicicleta pode fazer o serviço.

O problema é que, para isso, você vai ter que se submeter a pedalar cerca de 30 km por dia apenas para chegar à região central. É assim que alguns trabalhadores chegam à exaustão e em muitos casos andando por vias que na sua maioria não são equipadas com ciclofaixas. Eles também não tem benefício nenhum do aplicativo como vale alimentação ou convênio médico e em algumas situações tendo que entregar comida mesmo pedalando com fome.

Além disso, resta simplesmente trabalhar em empregos não essenciais na quarentena, ficando exposto ao vírus. “Chorei bastante porque sentia muita falta de ar e muita dor de cabeça, tinha perdido um amigo há algumas semanas e outro no fim de semana [anterior de Alef contrair a doença]. Aí decidi ir ao médico e descobri que estava com isso. Tinha medo de ‘bater as botas’”, relembra Alef, que contraiu a Covid-19 há cerca de um mês. “Peguei porque tinha muito contato com clientes e também indo no centro atrás de peças de celular.”

Baile funk da 17 em rua da favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo (Foto: Marlene Bergamo/Folhapress)

O que esperar, então, para o futuro dos bailes? “Não vejo a hora dessa quarentena acabar, estou me profissionalizando ainda mais agora, investi muito em equipamento antes da pandemia e vamos fazer bailes de segunda a domingo se Deus quiser”, diz Alef.

Apesar do otimismo do DJ, é fato que o setor cultural é dos que mais têm sofrido durante a pandemia, e a previsão para o fluxo voltar na quebrada é das mais pessimistas. “Não quero pensar em data. Estou entrando em depressão de pensar nisso. Mas quando voltarmos para o baile, Paraisópolis vai ficar pequena”.
Promessa é dívida, Alef.

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