Sons da Perifa https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br Um blog sobre cultura periférica, a voz da periferia Mon, 13 Dec 2021 15:07:17 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Funkeiro mais ouvido do país, MC Don Juan fala da fórmula da liderança e dos quase 10 anos de carreira https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/2021/06/28/funkeiro-mais-ouvido-mc-don-juan-fala-da-formula-da-lideranca-preconceito-e-os-quase-10-anos-de-carreira/ https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/2021/06/28/funkeiro-mais-ouvido-mc-don-juan-fala-da-formula-da-lideranca-preconceito-e-os-quase-10-anos-de-carreira/#respond Mon, 28 Jun 2021 17:13:17 +0000 https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/11790da535b566c8530c18baf1a2af34dab74a813579960a4aab78dd57341268_60be494ac5f23-300x215.jpg https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/?p=659 Um romântico, mulherengo, libertino, plebeu e incrivelmente sedutor. Este foi Don Juan, personagem da literatura espanhola que seduzia as novinhas da realeza e era perseguido e criticado pelos conservadores religiosos.

Séculos depois, agora no Brasil, Don Juan é chamado de rei da putaria e o seu lema é, “Oh novinha eu quero te ver contente, não abandona o…”. Impossível não completar mentalmente este trecho da letra, caso você tenha sido apenas um jovem em 2016.

Cria da Cheba, comunidade do extremo sul de São Paulo, MC Don Juan tinha apenas 15 anos quando divulgou “Oh Novinha”, um dos seus maiores hits— hoje com 86 milhões de visualizações no YouTube e outras 44 milhões no Spotify. Números que levaram Matheus Wallace, ou Don Juan, a ser um dos embaixadores do funk em outros ritmos como sertanejo e o brega. 

Prestes a completar 10 anos de carreira, mesmo com apenas 20 anos de idade, ele viu o seu trabalho, do funk proibidão ao funk light, sempre presente no mainstream. Ele diz: “Quando me lancei no mercado, foi no funk putaria. Na época, eu tinha que cantar aquilo para dar certo, era o que as pessoas queriam ouvir”. 

Bailes, funk light e as grandes mudanças do movimento cultural que mais cresce no Brasil– e que ele foi um dos grandes responsáveis– foram alguns dos temas que conversei com o funkeiro. Dica: Ouça a playlist enquanto lê.

 

Como surgiu o Don Juan?
Quando comecei minha carreira, meu nome artístico era MC Menor, mas, na época, tinha muito moleque com nomes parecidos com esse. Aí em uma resenha com meus amigos um deles perguntou “por que você não usa MC Don Juan?”. Achei legal, era diferente. E foi o nome que me colocou no cenário do funk e que me deu fama até hoje.

E isso foi quando?
Me lancei no funk aos 12 anos de idade, na comunidade Cheba, em Interlagos, onde eu morava com a minha família. Minha primeira música foi “Le Lalaue Lalaia”, em 2014. Não foi um estouro, mas bateu forte na minha quebrada. 

Em 2017, acertei a música que foi meu divisor de águas. “Oh Novinha” foi mágico, tocou no Brasil inteiro, um sonho realizado. Liguei a televisão e vi minha música sendo tema da novela na Globo. Tá ligado? Aquela novela em que a Juliana Paz participava, “A força do Querer”. Daí em diante foi muito trabalho.

Muita coisa na sua carreira mudou nesses 10 anos, inclusive os estilos que você tem se envolvido.
Minha maior paixão na música sempre foi o funk, mas música é música. Ouço de tudo, muito rap, sertanejo e pop. Quando me lancei no mercado, foi no funk putaria. Na época, eu tinha que cantar aquilo para dar certo, era o que as pessoas queriam ouvir.

Tinha muita vontade de arriscar e cantar outros estilos. Com certeza, hoje com uma carreira sólida e bem construída, minha vontade é de me jogar e fazer músicas novas de estilos diferentes, me tira da zona de conforto. Conectar o funk com outros estilos é daora, isso cria um ritmo novo e quebra barreiras. Entendo a importância de levar a minha voz a outros estilos. E cada vez mais longe e para mais pessoas.

Pensa em mudar completamente de ritmo?
Eu nunca vou perder a minha essência, o funk me deu tudo e nunca vou abandonar esse estilo. Meu público vem das quebradas e eu sempre vou honrá-los. Hoje em dia, nosso movimento cresceu muito, nossa música conversa com todo tipo de pessoa. Conseguimos fazer músicas com palavrões e fazer as versões lights para rádios e TVs. 

Estamos evoluindo dia após dia, a música está evoluindo. Isso é muito legal porque você vê minhas músicas tocando em festas de crianças, colégios, famílias ouvindo e fazendo coreografia no TikTok e vê a rapaziada da quebrada curtindo igual. Música é energia e a galera se identifica porque a gente é de verdade.

Qual o papel do funk na sociedade?
Um papel fundamental. Funk é um movimento foda, é cultura, é linguagem, uma forma de expressão, é dança, é alegria, é festa. Hoje, se você entrar numa quebrada, a maioria das crianças quer ser MC. Eles querem viver de arte assim como, durante muitos anos, o sonho de toda criança era ser jogador de futebol.

O funk é esperança, é sonho. Ele é um movimento de extrema importância para o país hoje. Funk gera emprego, movimenta economia e salva vidas. Hoje o menor vê que é possível viver de música. Apesar de todas as dificuldades que esse país nos coloca, muitos vão conseguir realizar esse sonho por meio do funk.

O preconceito com o ritmo ainda é um problema para você?
Isso sempre existiu, mas eu sou exemplo que o funk está gigante e só vai crescer e evoluir. Essa evolução já está acontecendo e as barreiras estão sendo superadas. Quem diria que a música mais ouvida do país seria um funk? Estamos derrubando esse preconceito pouco a pouco, dia após dia. Até porque funk é o Brasil, a voz das quebradas e uma forma de expressão, não tem como invalidar essa cultura. Funk é vida.

Como foi o amadurecimento do Don Juan de 12 anos e o de 20?
Nasci na Cheba e morei por muitos anos lá com a minha família. Depois de muito trabalho, consegui comprar uma casa em Interlagos, na região da represa, para morar com minha família. Hoje estou em uma nova fase da minha vida, mais amadurecido, morando sozinho na Mooca. Deus é bom demais.

Qual a fórmula para sempre estar entre as primeiras posições no Spotify?
Hoje sou o funkeiro mais ouvido no Spotify no Brasil. Batemos mais de 9 milhões de ouvintes mensais. Trabalho desde os 12 anos com muito esforço, são noves anos de trampo pra chegar nisso. Eu sou um sonhador, sempre vou trabalhar pra me superar. Não imaginava alcançar esse número, isso só me faz trabalhar mais, escrever mais, e criar mais músicas.

Me manter nessa posição é o mais difícil. Tenho que trabalhar muito para manter a liderança. Tenho duas músicas no top 5 das mais ouvidas no Brasil: “Bipolar”, em parceria com MC Davi e MC Pedrinho  e que está a duas semanas seguidas no top 1 Brasil, e “Liberdade”, com Alok, que se mantém em quinto lugar no top Brasil, apesar de ter sido lançada há cinco meses, continuamos em alta.

Como funciona seu processo de criação?
Eu tenho facilidade para escrever, as palavras fluem de boa. É difícil de explicar esse processo, mas quando eu escuto a batida, abro meu bloco de notas e as palavras já vem surgindo. Só preciso definir a melodia e a levada que vou seguir, ou o tema. Normalmente, minhas músicas são feitas em poucos minutos e tudo na hora mesmo. Gosto de criar com os produtores, levo as referências, sons, batidas, qualquer parada que eu tenha ouvido e brisado. Acho que tudo flui por conta dessa troca de energia depositada ali na hora que a música nasce. Já gravei 8 músicas do zero em apenas algumas horas.

O que toca na sua playlist?
Eu escuto de tudo, de Caetano Veloso a MC Hariel. Tô ouvindo bastante a galera da nova geração do funk, mas, no fundo, gosto mesmo é de ouvir meus amigos. Escuto muito as músicas que o produtor Pedro Lotto produz, gosto do som do meu mano Klawss, inclusive lançamos uma juntos no final do ano passado. Ouço muito a molecada do trap também.

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O funk não precisa de Rick Bonadio https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/2021/03/15/o-funk-nao-precisa-de-rick-bonadio/ https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/2021/03/15/o-funk-nao-precisa-de-rick-bonadio/#respond Mon, 15 Mar 2021 20:07:00 +0000 https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/f508806767e9229c5a092952ac4aaf510fd7383e2e6df7d2f3534a76e0ca3bcd_5ad8f4991bcf9-300x215.jpg https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/?p=476 “Precisamos exportar música boa e não esse ‘fica de quatro”’, disse o produtor “Rico” Bonadio, conhecido por produzir a banda Mamonas Assassinas. E ele não está errado, precisamos.

Rick Bonadio em sua conta no Twitter

Somos conhecidos por Jorge Ben, João Gilberto e Tropicália, onde o “fica de quadro” do funk se encaixa nesses movimentos? Ele não se encaixa, isso justamente pelo fato de ele não ser feito por Joãos Gilbertos ou Chicos Buarques de Holanda. Ele é feito por moleques de quebrada que ouvem e produzem para moleques de quebrada, todos sem sobrenomes pomposos e poucas intenções de aparecerem tocando no autofalante do elevador.

Hoje a gente fala de putaria e dinheiro na música porque a gente pode falar de putaria e dinheiro na música. Do que se trata “Sex Machine” mesmo?

“Os funkeiros precisam ousar evoluir musicalmente para crescer” disse “Rico” Bonadio, que em 30 anos de carreira como produtor musical é conhecido por produzir Mamonas Assassinas. E ele tem razão, precisamos evoluir o funk e exportar coisas com cara de Brasil. Vamos falar de tráfico na música, pretos morrendo todos os dias. Beats com referência no samba? Isso é tão Marcelo D2.

O que seria a tal música ruim? Em “Rick and Morty”, no quinto episódio da segunda temporada, exatamente no minuto 13:40, o rapper Ice-T fala que “tanto faz uma música ser incrementada demais ou não, música ruim é música ruim, você sente”. Como podemos resumir um movimento que toma conta das rádios, listas de Spotify, festas em bairro nobre e quebrada e que movimenta milhões nos mercado fonográfico dos anos 1980 até hoje como algo ruim? Bom, só falar que é ruim.

Quantos desses artistas precisaram de gravadoras para alcançar o sucesso? Parece que a crítica está aqui. Como diria o Don L, “antes do Rincon ter um hit e receber uma geladeira Rick”, o funk já fazia sentido.

“Espero que evoluam e entendam as críticas. Só aplauso pode ser alienação.” disse Rick Bonadio, um dos responsáveis pela banda pop Rouge, formada em 2002. E ele tem razão, precisamos evoluir. Não é o Drake, o artista mais ouvido no mundo, vindo ao Brasil gravar uma música com o MC Kevin o Chris ou a Cardi B, colocando meros 15 segundos de um funk em sua música no Grammy, música que nitidamente é inspirada nesse movimento, que significa que o funk está evoluindo. E como diria Mário Sérgio Cortella, “câncer também evolui”. Depois de Rouge, veio Br’oz.

“Não dá pra aceitar que sempre a mesma batida com letras de putaria seja algo necessário ou a ‘cultura do país””, comenta “Rico” Bonadio, produtor da banda Girls, que começou em 2013 e acabou em 2014. E mais uma vez ele está certo, precisamos produzir novas batidas, ritmos e não reciclar grupos de 2002 para 2013 como algo novo.

Errado está o saudoso produtor musical Miranda, que em entrevista à repórter Amanda Ramalho comenta que o rock do Elvis com o gingado e sempre os mesmos acordes é muito parecido com o que temos no funk. Quem dera o funk tivesse um Miranda para criticá-lo.

Então, como diria Vitor Kley, “Ô Rick, vê se me esquece, com suas opiniões e críticas, o funk não precisa de você aqui”. Por que bom mesmo é o CD Completo do ET e Rodolfo.

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‘Sempre ouvi que depressão era frescura, até passar por isso’, diz MC G15 em um papo sobre fé e saúde mental https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/2021/01/28/sempre-ouvi-que-depressao-era-frescura-ate-passar-por-isso-diz-mc-g15-em-um-papo-sobre-fe-e-saude-mental/ https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/2021/01/28/sempre-ouvi-que-depressao-era-frescura-ate-passar-por-isso-diz-mc-g15-em-um-papo-sobre-fe-e-saude-mental/#respond Thu, 28 Jan 2021 18:17:28 +0000 https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/5c74a65c2bb2a1198ff79b2535e413d74ae2828c95ba5a74ac1de035ae4794f6_5ae833b14c5ec-1-300x215.jpg https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/?p=348 “Em um momento, eu estava na minha casa com meus sete irmãos vendo gente morta nas ruas, bala perdida. Corta para a próxima cena: eu famoso, responsável financeiramente pela minha família, pelos meus pais, tudo isso muito rápido. Esses choques afunilaram há dois anos quando tive uma crise de ansiedade e depressão, uma dor que eu não desejo para ninguém”, essas palavras são do Gabriel Paixão Soares ou MC G15, apelido que ganhou dos amigos justamente por ter 15 anos quando começou o seu sucesso no funk nos bailes do Rio de Janeiro.

Hoje com 23 anos, considerado um dos medalhões do funk e tendo lançado a música “Queria gostar Menos” em janeiro, descobriu que falar sobre saúde mental e fé se tornou, para ele, o novo normal.

Se você é de quebrada, deve ter ouvido alguma vez no rolê ou talvez até mesmo pense: “Depressão é coisa de rico que arruma problema só para gastar dinheiro”. Mas calma, você não está totalmente errado, então como diria o Brown, “como eu estava dizendo sangue bom isso não é sermão ‘lê aí’ tem o dom?”.

Historicamente, somos o povo que mais trabalha, mais morre, mais sofre e que menos tem recursos, dá para exigir alguma coisa da quebrada?

Pandemia, alta de desemprego e muita morte rolou no último ano e talvez, por isso, o tema da redação do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) tenha sido ‘O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira’, uma forma de o governo aproximar os jovens da importância de se preocupar com a saúde mental. Ótima iniciativa do Ministério da Educação, mas não é nem de longe suficiente para uma conscientização sobre o tema.

Conversando com a Tamiris Crystini Motta, psicóloga clínica e social, e que atua no Serviço de Proteção Social a Crianças e Adolescentes Vítima de Violência, ela comenta que a falta de interesse do Estado em investir de forma mais regular e efetiva nas políticas públicas de tratamento psicológico faz com que a periferia tenha essa rejeição natural ao tratamento.

MC G15, Ingryd Tawane e a filha do casal Yunet (Foto: Divulgação)

“Como não achar que um tratamento particular e clinico não seja excludente? Uma consulta com um profissional custa no mínimo entre R$ 80 e R$ 100 reais, como alguém que ganha um salário mínimo de R$ 1.100 pode arcar com isso 4 vezes no mês? Isto em si já é um mecanismo de exclusão, O obvio desta questão é que dificilmente a Dona Maria que cuida de 3 filhos e mais alguns netos, com renda mínima e algum trocado de programas de transferência de renda terá condições de disponibilizar esta verba para cuidar de si,” diz Tamiris.

Mas não é sobre dinheiro, diz o MC G15. “Eu precisei cair em depressão e sentir essa dor para começar a me tratar. Quando você está na comunidade, você só pensa em trabalhar e se divertir no tempo que sobra, não tem tempo para discutir sobre tratamento psicológico”, conta.

Histórias de artistas da periferia como a do G15 não é uma exceção. Em entrevista para o site Kondzilla, a cantora Deise Tigrona conta como a depressão parou sua carreira. “Eu tinha uma turnê imensa na Europa, tinha conseguido um visto para o Canadá, estava tudo indo de vento em popa, quando tomei essa pancada. Perdi meu rumo, perdi meu chão. No momento, eu não tinha sentido que aquilo atrapalharia minha vida e nem mesmo vi como depressão. Foi uma sobrecarga. E com o tempo, fui percebendo que minha mente não estava aguentando, até que fui parar no hospital. Depois de fazer uma bateria de exames, o médico falou que eu estava com depressão”, relembra Deize, que ficou afastada dos palcos no auge da carreira em 2009. A cantora foi trabalhar como gari durante essa pausa, até voltar a compor músicas em 2018.

Deize Tigrona em divulgação da música “Vagabundo” de 2019 (Foto: Divulgação)

Sobre chegar muito rápido ao topo, a psicóloga Tamiris comenta: “hoje, é tudo muito fluído, líquido. Os objetos de desejo e o consumo se desfazem na mesma lógica que atingem o topo. Além de sujeitos que querem o gozo, eles se tornam esses objetos. E são eles que têm que se deparar com a realidade da liquidez passageira”, pensamento que ela vincula a liquidez que o sociólogo Zygmunt Bauman traz em seus livros sobre a modernidade e o mal-estar social.

Funk e fé

A fé é algo marcante na quebrada. Ela é como se fosse um remédio tão potente quanto o benzetacil que o médico te aplica no posto por estar com uma simples virose ou ter quebrado a perna. Força que faz com que muitos se agarrem a ela como uma fonte de equilíbrio psicológico.

Logo após esse que foi o pior episódio vivido por G15 que relembra, “era uma constante sensação de morte”, ele canaliza essa experiência para a produção do álbum “Lado B”, sete faixas com mensagens para sua família, reflexões sobre suas crenças e Deus.

Pergunto se pensa em largar o funk se tornar um cantor gospel. “Penso muito sim, mas é uma coisa que vai rolar mais para o futuro. Espero dar muita alegria no funk ainda, principalmente voltar aos shows, mas tenho frequentado a Congregação Cristã sempre que eu posso, e isso tem me ajudado muito. Quando realmente chegar o momento vou mudar” comenta o cantor.”

Veja o caso do ex-cantor de funk Tonzão do grupo Os Hawaianos, por exemplo. Em 2007, seria fácil o encontrar sem camisa, cabelo “loiro pivete” e cantando: “traição é traição/ romance é romance/ amor é amor e um lance é um lance”, hit que o tornou um dos funkeiros mais cobiçados pelas novinhas naquele ano.

Em 2011, ele sai do grupo e se torna pastor da igreja Assembleia de Deus e começa a carreira de cantor gospel. “A paz do Senhor, irmão!”, agora é o que você mais ouve ele falar.

Cinco anos depois, em 2016, sua esposa Cibere Almeida emite uma nota explicando os motivos do marido estar saindo da igreja. Em um dos trechos, ela resume: “cansado de tudo, meu esposo acabou largando o funk no auge da carreira, na época que mais ganhou dinheiro na vida. Ele estava com o coração aberto para Cristo e dali ele poderia fazer o que queria e o que fosse preciso para Deus. Meu esposo nunca devia ter cantado funk sem de fato ter sido liberto dele”.

Hoje sem funk, sem o gospel e depois de muitas reviravoltas, Tonzão é considerado um dos precursores do funk gospel surgido em 2015 e que teve um dos hits do ritmo de sua autoria, “Temos de montão”. Seria a fé um substituto mais efetivo do tratamento psicológico na periferia?” A pergunta não pode ser abordada pelo viés da substituição, ambas têm suas funções e ocupam um lugar na vida do sujeito, não se excluem ou substituem e também não se fundem, diz Tamiris.

“A solução óbvia seria mais investimento do Estado em material humano, quanto mais profissionais qualificados nos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) e SUS, mais as famílias das comunidades estarão familiarizadas com a psicoterapia. Mas não temos psicólogos suficientes, acaba que nós ficamos sobrecarregados e não conseguimos ajudar as pessoas da forma correta”, conclui Tamiris.

“Existe uma questão primordial de oferta e demanda na saúde mental, inclusive reprimida da qual a oferta “profissionais/Recursos Humanos” é limitada trazendo uma exaustão ao quadro de profissionais que atuam na linha de frente e isso acaba adoecendo também o profissional. Os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), CRAS (Centro de Referência da Assistência Social e os CREAS (Centro de Referência Especializada da Assistência Social) são um dos serviços que atuam junto à comunidade na linha de frente com as questões de saúde comunitária”, conclui a psicóloga.

O mais importante é conscientizar a periferia que psicologia é algo importante para a saúde. Quando artistas como o MC G15 assumem fazer terapia, isso motiva outros jovens a entender a gravidade do problema. “A terapia mudou minha vida, vou fazer para sempre, não me imagino vivendo sem isso”, completa o cantor.

Saúde, seja ela física ou mental, é um direito de todos. O Ministério da Saúde diz que todos os municípios com mais de 15 mil habitantes precisam oferecer esse tipo de atendimento.

Ainda é possível encontrar atendimento em redes de saúde municipais, como o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS).

Serviço:
Se você é morador de São Paulo acesse esse linque prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/atencao_basica/index.php?p=204204 .

Se você não é morador de São Paulo, pesquisar “Atenção Psicossocial” no site gov.br e vai aparecer uma lista de assuntos e sites relacionados a isso.

Se for um caso urgente ligue para o Centro de Valorização da Vida discando 188

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Sem baile, DJs da 17 trabalham em empregos não essenciais e ficam expostos à Covid-19 https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/2020/07/20/sem-baile-djs-da-17-trabalham-em-empregos-nao-essenciais-e-ficam-expostos-a-covid-19/ https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/2020/07/20/sem-baile-djs-da-17-trabalham-em-empregos-nao-essenciais-e-ficam-expostos-a-covid-19/#respond Mon, 20 Jul 2020 19:22:46 +0000 https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/88e9740462c62a19eee72174bdafd9ade4004fc99f8392c6d292f22e8e3d198a_5ded45e853f10.jpg https://sonsdaperifa.blogfolha.uol.com.br/?p=13 Hoje é sábado, 23h, a noite está quente e seu destino é Paraisópolis, a segunda maior comunidade de São Paulo, que tem mais de 100 mil habitantes.

Você desce do Uber na avenida Hebe Camargo, usando um óculos escuro Juliet —e aí você pode me perguntar, mas óculos de noite? Sim, eu te digo. É estilo, camisa da Lacoste e tênis da Oakley. O que você está vestindo é muito importante neste momento. Imagine que a sensação é de que estamos indo para algum festival de música dos grandes: com muito trânsito para chegar, som alto, pessoas bebendo nas ruas. Você desce algumas vielas e o fluxo (talvez você conheça como baile de rua) começa a ficar maior.

Enfim, você chega na rua Herbet Spencer. Não entendeu? Estamos no Baile da 17. Sim, é agora que você começa a observar os carros tocando funk bem alto com seus paredões de som, jovens de todos os lugares de São Paulo e até excursões de fora do estado presentes na comunidade, todos felizes e bem parecidos pelas roupas, gingado e corte de cabelo.

Talvez você não saiba, mas estar nesse lugar é o atual sonho de muitos jovens —ou nem tão jovens assim. O coronavírus tem não só tirado as vidas de milhares de pessoas, principalmente das comunidades, como também acabado com suas únicas opções de emprego e lazer.

Você pode achar que “era só uma festa, as pessoas podem aguentar durante a quarentena”. Mas será que podem?

O Baile da 17 não é só uma festa. Ele exige muito trabalho para ser feito e emprega muitas pessoas. Tem o DJ, a tia que vende bala, chiclete, cigarro, o pessoal da limpeza, os funcionários dos bares, tabacarias, o cara do carro de som…. Lembrou deles?

“Cheguei a ficar desesperado e pedi a Deus que me desse uma luz”, lembra o DJ Alef, de 26 anos. Morador de Paraisópolis, ele conta que viu as contas começarem a chegar e ficou completamente atônito, “sem saber o que fazer”.

Alef é DJ do Baile do Bega, outra festa de rua de Paraisópolis que veio crescendo nos últimos meses antes da quarentena. Diferente do Baile da 17, o “Bega é uma festa na rua, mais parecida com balada. E, por ficar em uma região mais isolada, não temos problemas com barulho”, explica o DJ, que já tocou em casas de shows como Club A e Love Story. Pois é. Viver de tocar em bailes na periferia era algo que, até então, parecia promissor para ele. “Comprei equipamentos e estava profissionalizando ainda mais o baile”, relembra.

Mas você deve estar se perguntando: “Ué, como um DJ ganha dinheiro em um baile de rua? A entrada não é gratuita?” Bom, sim. A verdade é que você pode começar tocando com uma mesa de som em algum estabelecimento, ou próximo de alguns e, então, “é feito o rateio entre os comerciantes e carrinhos de bebida daquele lugar para pagar o DJ”, explica Alan Carlos, 25 anos, mais conhecido como DJ Neguinho do Uno. Segundo ele, outra opção é equipar o carro com um som bem potente e parar na porta de algum bar ou tabacaria, combinar um valor com o dono e ficar lá, tocando funk e atraindo pessoas para o estabelecimento.

“Cheguei a gastar mais de R$ 17 mil com meu carro para fazer isso mas, por conta da lei do silêncio e das multas, parei de tocar com o carro e trabalho como DJ mesmo”, diz Alan, que hoje é DJ oficial da Equipe Mandelão (se você quiser um paredão de som para tocar em alguma festa aqui em São Paulo, é provavelmente com eles que você vai falar).

O dinheiro que circula no baile funk é bem democrático: vai desde o dono do bar, que ganha mais durante o evento, passa pelo DJ e pela tia que vende bala e cigarro, o dono do carro de som e chega até o pessoal da limpeza, que é pago pra limpar as ruas depois da festa. “Eles fazem um serviço melhor que o da Prefeitura. No dia seguinte do baile, nem parece que teve festa”, afirma Alan.

Mas esse dinheiro está em extinção no momento —e provavelmente será assim por muito tempo. Se as casas de shows da capital estão fechando, como é que está a vida dos trabalhadores dos bailes? “Graças a Deus, arrumei um emprego em uma loja de celulares aqui e estou conseguindo me manter nesse momento” conta Alef. Outros, como o Alan, voltaram a fazer o que faziam antes de se tornarem DJs. “Tenho trabalhado como motoboy de aplicativo enquanto espero a pandemia passar, e tenho visto que muita gente que nem era motoboy antes e que agora está fazendo isso também.”

A atual falta de recursos para as comunidades tem deixado duas problemáticas bem visíveis: a fome e os subempregos cada vez mais precários. Muitos têm aderido o trabalho com aplicativos de entregas, já que hoje você não precisa de uma moto para fazê-las —uma bicicleta pode fazer o serviço.

O problema é que, para isso, você vai ter que se submeter a pedalar cerca de 30 km por dia apenas para chegar à região central. É assim que alguns trabalhadores chegam à exaustão e em muitos casos andando por vias que na sua maioria não são equipadas com ciclofaixas. Eles também não tem benefício nenhum do aplicativo como vale alimentação ou convênio médico e em algumas situações tendo que entregar comida mesmo pedalando com fome.

Além disso, resta simplesmente trabalhar em empregos não essenciais na quarentena, ficando exposto ao vírus. “Chorei bastante porque sentia muita falta de ar e muita dor de cabeça, tinha perdido um amigo há algumas semanas e outro no fim de semana [anterior de Alef contrair a doença]. Aí decidi ir ao médico e descobri que estava com isso. Tinha medo de ‘bater as botas’”, relembra Alef, que contraiu a Covid-19 há cerca de um mês. “Peguei porque tinha muito contato com clientes e também indo no centro atrás de peças de celular.”

Baile funk da 17 em rua da favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo (Foto: Marlene Bergamo/Folhapress)

O que esperar, então, para o futuro dos bailes? “Não vejo a hora dessa quarentena acabar, estou me profissionalizando ainda mais agora, investi muito em equipamento antes da pandemia e vamos fazer bailes de segunda a domingo se Deus quiser”, diz Alef.

Apesar do otimismo do DJ, é fato que o setor cultural é dos que mais têm sofrido durante a pandemia, e a previsão para o fluxo voltar na quebrada é das mais pessimistas. “Não quero pensar em data. Estou entrando em depressão de pensar nisso. Mas quando voltarmos para o baile, Paraisópolis vai ficar pequena”.
Promessa é dívida, Alef.

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