Aparelhagens em Belém giram R$ 1,5 milhão e são alvo de preconceito
Hoje é sexta-feira, 20h, e a sua vontade, depois de enfrentar um dia longo de trabalho e um ônibus lotado, é chegar em casa, tomar um banho, sair para beber uma cerveja gelada e ouvir um som de qualidade. Mas, antes, uma coisa importante: não estamos em São Paulo, aqui é Belém do Pará, mais precisamente a periferia de Guamá, quebrada com mais de 95 mil habitantes e que, como qualquer outra, é carente de opções de lazer.
Você sabe que não tem muito o que escolher, então seu destino é a festa de aparelhagem Búfalo do Marajó, onde a entrada custa R$ 5, e mulher não paga até meia-noite. Não sabe o que é isso? A forma mais fácil de imaginar é como se você estivesse vendo um show no Tomorrowland ou no Ultra Music Festival –claro que com suas devidas proporções, mas com um palco com estruturas metálicas gigantes, muita luz, leds, e o DJ nesse caso está com chapéu de caubói, berrante e em cima de um búfalo de metal grande que solta fogos e fica cheio de cores vivas refletidas pelas inúmeras telas no palco.
“Todas as aparelhagens fazem shows pirotécnicos com fogos que interagem com as músicas e com os animais das aparelhagens que são os símbolos (ou mascotes)” diz Bruna Rodrigues, 23, ou DJ Pedrita como é conhecida onde mora. “É um grande show, e quase de graça, a cerveja sempre custa R$ 1 e é uma festa para a gente, para a perifa” completa.
Super Pop, Crocodilo, Rubi –essas são apenas algumas aparelhagens que chegam a custar cerca de R$ 1,5 milhão para serem feitas. Como um evento desse na periferia consegue girar tanto dinheiro?
Essas festas são como baladas itinerantes e que dificilmente ficam um dia sem tocar. “No último ano fizemos uma turnê para o sul, fomos para o Paraná, Curitiba, Rio de Janeiro e depois voltamos para a nossa terrinha, aqui em Belém” diz Caicô, dono da Aparelhagem Búfalo do Marajó. O Segredo é quantidade de público e festas. “A gente não pode parar um dia”, completa.
Como todo movimento cultural periférico, as festas de aparelhagem também enfrentam muito preconceito. Principalmente por causa de seu público, vindo majoritariamente de quebrada, e pelas músicas. “Uma vez uma professora de faculdade me disse que as pessoas que ouviam minhas músicas não tinham capacidade de entender a complexidade de Caetano. E chamou de subcultura,” diz a cantora de tecnobrega Keila, 29, ex-integrante da Gang do Eletro e que atualmente está em carreira solo. “Acho que o preconceito acontece por pura ignorância. Duas semanas depois [do comentário] dividimos o Prêmio Multishow [de 2013] de melhor show do ano com o Caetano Veloso”, completa.
Seja na periferia do Rio, com os bailes funks, ou na de Belém, o processo de criminalização dos movimentos culturais sempre está a todo vapor, mas como o ato de o pobre cantar ainda não é crime, o poder público, guiado pela elite, tenta acabar com essas festas de outras formas –no caso das festas de aparelhagem, criminalizando as equipes.
Não sabe o que é? Eu também não entendi de cara, mas Keila explica: “As equipes são grupo de pessoas que se se organizam e frequentam as festas de aparelhagens, tipo a ‘Galera da Laje’, que era da aparelhagem Príncipe Negro. Nas festas, essa galera pede para o DJ chamar o nome da sua equipe, e isso é uma forma de status dentro da cultura”, completa.
Como para o sistema, pobre reunido só pode ser problema, as equipes começaram a ser tachadas de gangues. “Daí que vem a o nome do grupo, Gang do Eletro. Acho que já cheguei a gravar quatro músicas de equipe por dia. Éramos tratados com muito preconceito porque falavam que nós fazíamos músicas para gangues”, afirma Keila.
Precisamos descentralizar o Brasil. Movimentos como tecnomelody, aparelhagem e equipes não precisam estar presentes em outras periferias do país, mas precisam ser conhecidos e encarados como cultura. “Todos os brasis precisam ser mostrados e descobertos”, como lembra Keila. E, cá entre nós, a versão de “I Feel You Tonight”, da banda inglesa G.E.M, está muito melhor na voz da Valéria Paiva, da banda Fruto Sensual, feita para a aparelhagem Príncipe Negro.