A gente não tem um minuto de paz
“A gente não tem um minuto de paz” foi o que eu li às 1h30 da madrugada de hoje (20/11) no twitter @andrezadelgado. Não, a gente não tem paz. Aliás, nem sabemos o que isso significa.
Ou melhor, talvez seja aquilo que eu sinto quando estou com a minha sobrinha e esqueço que cheguei aos 32 anos e me tornei aquilo que eu mais temia: um tio babão.
Vinte minutos depois do paraíso que é estar com ela, já que vinte minutos é o máximo que ela aguenta ficar sentadinha comigo conversando e eu prometendo dar um pacote de bala Finni se ela tirar uma foto sorrindo comigo (foto cara né?), corta para a próxima cena. Um homem é espancado até a morte no supermercado. O nome do mercado? Carrefour. O nome do homem? Não sei. Na real, até sei, mas que diferença faz saber agora? Mas, uma coisa todos sabem: ele era preto, negro, criolo, tição, pardo, periférico e foi humilhado até a morte.
Racistas otários, nos deixem em paz.
A hora tá passando e eu só fico indignado de ter visto aquele vídeo, de quase ter compartilhado… Pra quê? Likes para a imagem de mais um preto sendo assassinado? Podia ser meu pai, parceiro. Ou o seu. A gente não tem um minuto de paz.
2h10 da manhã, “Cala a boca macaca” foi uma das respostas no tuíte da @andrezadelgado.
Como diria o Negão da BL, “Vamos parar de demagogia, o racismo não vai acabar!”. Isso o coloca próximo de Malcolm, que acreditava que só existe paz com guerra.
Atitude antirracista é o novo jargão da esquerda festiva. Não, parceiro, não estou falando que é errado ter uma atitude antirracista, estou falando que é mais uma demagogia da esquerda branca de apartamento. “Tem Casa Grande que vale a pena”. Experimenta falar que essa frase do cara branco foi racista. A ciranda da esquerda cirandeira acaba só pra vir te cobrar.
De novo, não sou contra a atitude antirracista, mas já experimentou falar sobre racismo no grupo do whats dos seus amigos brancos? Silêncio, climão, não rola nem uma figurinha do Bial “Tensão entre o Brothers”. Então, sem demagogia, parça.
Consciência negra para quem?
“O que você está fazendo aqui?”. Lembrei que o segurança da padaria que eu vou sempre me diz isso enquanto eu estou na fila do pão. Minha mente parece um filme de terror do Spike Lee nessas horas. 2h40 já!
O engraçado é que um dos assuntos que eu e o Luiz, meu amigo, mais gostávamos de conversar é sobre as vezes que quase morremos. Se você aí lendo for preto, sabe que isso é normal. “Cara, lembra aquela vez que a gente estava correndo para chegar em casa e jogar Winning Eleven e a polícia parou a gente? Mano, a gente podia ter tomado um tiro”. Preto correndo é ladrão, parado tá passando droga, é o que eles acham.
Nessa época, a gente já sabia o que era racismo, só não sabia que o nome era esse. Quantas vezes o Ricardo chamou o Luiz de macaco e achava isso engraçado. Espero que ele leia isso.
Não temos um minuto de paz.
Isso cansa. Cansado de cuidar dos filhos dos outros, enquanto matam os nossos. Cansado de ter que ser o melhor em tudo o que faço, ter que provar que posso, que sei, que faço, e mesmo assim só ser lembrado na hora de fazer as coisas de preto, texto de preto, ilustração de preto, blog de preto. 3h da manhã já, tô cansado de dormir tarde, parceiro.
“Nóis quer ser dono do circo, cansamos da vida de palhaço”.
E com esse governo… Não, não é o governo. Preto é assassinado todo dia desde que o mundo é mundo. E em 2020 não é diferente. O racismo não cresceu agora, ele sempre esteve aí, quem sofre sabe.
32 anos e mantendo a cabeça em pé. A gente é bom nisso. E se ele fosse branco? Morreria espancado mesmo assim? Acho que não. “Quem tem minha cor é ladrão, quem tem a cor de Eric Clapton é cleptomaníaco”.
Vidas negras importam? Não. Quem se preocupa com preto é só a mãe dele. Compartilhar vídeo de gente sendo espancada não salva ninguém. Mas se for o jovem branco de 18 anos morador do Jardins, que morreu após uma queda de uma marquise, você vai ganhar 3 páginas no jornal de amanhã, declaração do chefe da defesa civil, matérias com a sua professora, pai, mãe, primos e até aquele parente que mora longe e que sua família está brigada.
Desculpa o pessimismo, mas é a realidade. Se você leu até aqui, vou deixar um conselho então.
FALE,
FALE,
E FALE
O que adianta ser contra o racismo e não falar nada? Ficar gritando da janela, batendo panela? “Jairo, estou indignado com o que aconteceu no trabalho”. Você é “anti-indignação” ou antirracista? Se for a segunda opção então defenda os pretos, fale por eles, escolham eles, não para falar de “coisa de preto”, mas para falar, escureça mais seus contatos, seus líderes, e fale, sempre fale, não tenha medo do constrangimento. “Mas é a minha chefe”. E daí? Ela deveria te agradecer por alertar ela. Tenha medo de perder a oportunidade de falar.
Superação, força, luz, união, orgulho! A todos os afrodescendentes do Brasil. Um Salve para meus amigos e aqueles que admiro e penso antes de dormir:
Jefferson Leal, Lais Monteiro, Julia Reis, Djonga, Carol Almeida, Buiu, Ana Costa, Jef Delgado, Andreza Delgado, Luiz Henrique, Natalie Batista, Daniela Batista, BK, João Medeiros, Gabriela Batista, Dj Larissa, Jovem Obama, Matheus Moreira, Vânia Maia, Vitoria Nicolau, Mano Brown, Norah Costa, Marcelo Rocha, Netinho, minhas tias, minhas irmãs e a minha mãe.