‘O funk não discrimina ninguém, ele vai aonde outros não querem ir’, diz MC Hariel
Gordo, preto, rouco, pobre, não importa, você vai ter seu espaço nesse que é o maior– ou um dos maiores se preferir– movimento musical e cultural do mundo, e claro, ele vem da periferia e é alimentado, produzido e consumido por ela. “Avisa que é o funk”.
Basta ir em um baile para sentir isso. De quinta à domingo, o baile da DZ7, em Paraisópolis, São Paulo, enche tanto quanto uma tarde ensolarada de natal na rua 25 de março. Em dias comemorativos, o Baile da Gaiola na Penha, Rio de Janeiro, dura quatro, cinco, seis dias sem descanso para os DJs, e é assim nos bailes de Belo Horizonte, Recife ou em Manaus, o funk move multidões, de pessoas e dinheiro.
“Arruaceiros bebem e ouvem músicas degradantes em plena madrugada em São Paulo”: é assim que a repórter da emissora do pastor ser refere às festas e a nós. “A elite quer sempre apontar para a comunidade e falar como ela precisa viver. Antes do funk não existia bandidagem? Toda culpa dos problemas sociais na periferia é do funk?”, diz Hariel Denaro Ribeiro, 22, mais conhecido como MC Hariel ou Haridade para os mais íntimos e fãs. “O funk dá oportunidade, ele vai onde outras pessoas não vão. Imagina o orgulho do moleque quando consegue ouvir sua voz no fone e pode falar: caramba, eu sei fazer alguma coisa”, completa.
Na quebrada, a vida cobra cedo. Para se ter uma ideia, no Brasil a expectativa e vida entre um morador de periferia e um de classe média chega a ser de 23 anos de diferença. “Aqui é trabalho, meu filho”, se for de periferia esse meme se aplica a você bem antes de terminar os estudos, não temos tempo a perder. “Eu comecei a cantar com 12 anos. Meu pai cantava e por influência dele desde muito cedo eu comecei a fazer minhas letras”, conta Hariel.
Para quem não sabe, Celso Ribeiro, pai do Haridade, era integrante da banda de músicas folclóricas latinas Raíces da América, formada em 1979. Violonista e vocal, tempos depois foi chamado de músico rebelde por colegas da banda.
Tendo como sua “madrinha” a cantora argentina Mercedes Sosa, a banda teve seu auge em uma apresentação no MPB Shell em 1982, mesmo ano em que Celso saiu do grupo e de ter voltado a tocar em bares de São Paulo. Problemas financeiros e vícios levaram ele ao esquecimento da mídia e, por fim, à morte no início da adolescência do filho.
Mais conhecido que foi o pai, e já encarado como “um relíquia” do funk, Hariel coleciona hits e vem inovando a forma de fazer música. Uma delas é o EP “Avisa que é o Funk”. “Nesse trabalho, a minha ideia foi dar visibilidade a todas as pessoas que fazem parte do baile, desde as tiazinhas que vendem bala ao motoboy. Por isso que os clipes são tão importantes nesse projeto”, justifica o cantor.
A música no baile é apenas um dos personagens. Tem a galera da bebida, os carros de comida, o pessoal da limpeza, tem tudo o que uma festa de “playboy” teria, menos o preconceito e o perigo de não voltar para casa, claro.
Em “Favela Pede Paz”, música do EP “Avisa que é o Funk” ele lembra a violência que a periferia passa diariamente. “Estamos cansados de virar alvo de tiro”. Já em “Maçã Verde” outro hit do desse mesmo EP, ele rima sobre ostentação mais moderada e o clipe retrata as mulheres empoderadas do baile, isso porque Hariel canta funk consciente. Será isso o que falta para o funk ter o reconhecimento que tem o rap?
“Quer um rap de mensagem, manda um rap meu por SMS” já diria Djonga. “Eu não sigo tendências eu escrevo o que vem do coração”, explica Hariel, “o funk e o rap são movimentos irmãos, os dois falam de coisas parecidas, mas o funk é música festa, não tem que ficar dando sermão”, completa.
Lançado há pouco mais de uma semana (13/11) e já com mais de 29 milhões de visualizações, “Cracolândia”, música em que Hariel divide o protagonismo com o DJ Alok e mais outros 4 músicos, se tornou a porta de entrada do cantor para outros públicos que não o conheciam. “Eu gostei bastante desse projeto, ele [Alok] é gigante. Ele olhou para nós e abriu espaço de fala. Isso tem uma beleza muito importante, pelo tema e por termos feito essa união que nem era imaginada”, diz Hariel.
Mas o projeto mais aguardado do ano, porém ainda sem data, é o boom bap feito por Hariel em homenagem ao Sabotage, “Esse projeto com o ‘Sabota’ a gente tá tramando com carinho. Foi um convite que me fizeram que eu fiquei muito feliz. Eu ser escolhido para fazer parte disso? Eu como fã nunca imaginei que um dia eu veria a minha voz em um projeto desse. Vai ser a realização de um sonho”, comenta.
“Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci”, no fim é apenas isso o que o funkeiro quer. Seja no baile ou ouvindo uma rap. Fazendo shows no centro ou na quebrada. “Andar tranquilamente” ainda é um sonho. Ai se tudo fosse como é no funk! Hariel conclui: “O funk não tem preconceito com ninguém, ele não olha para sua ‘cara’ e fala: você não presta, você é feio, não vai trabalhar aqui! As pessoas se sentem mal com isso. Eles cobram da gente paz, e só dão violência. O funk não é assim pelo contrário, ele vai onde ninguém vai”.