Um rolê no baile da DZ7
“Um sábado desse, uma lua dessa, todos os caminhos te levam a favela, pra esquecer do estresse que a semana teve, hoje é bailão emendado na rave”. Calor, 23h, sem grana no bolso, longe do centro e de tudo, o extremo sul parece um continente de tão grande, parceiro.
O baile da DZ7 em Paraisópolis, São Paulo, é o rolê de hoje, então se prepara— tudo pode acontecer. No bolso, as chaves de casa, carteira e o celular. Cuide do seu celular. Chegando na Av. Hebe Camargo, de longe já ouço, “vapo, vapo, vapo… terror dos bailes!” música que lentamente vai se misturando no meio dos roncos dos motores das motos, buzinas, carros e pessoas falando muito alto. Proposital? Sim, esse é o clima, bom, se acostuma.
Nesse momento a sensação é a de estarmos atuando em um filme do Alejandro Iñárritu. Sabe aquele diretor que curte um plano de sequência? Então se liga, assim que chegamos na Rua Hebert Spencer acabam os créditos iniciais e começa a cena: “Tá rocheda, tô nem vendo/ Pode crê, você merece um prêmio/ De mulher mais bandida do mundo/ O coração que é vagabundo, vagabundo”, música do Barões da Pisadinha torando na caixa de som do barzinho que fica embaixo de uma pizzaria, enquanto um casal de idosos dançam grudadinhos e alguns bebuns jogam sinuca e bebem bomberinho — ou seria Dreher?
À minha direita estão vestidos com camiseta da Fundão, à minha esquerda com bermuda da Um da Sul. Juliette, Oakley, Lacoste, Ciclone, perfume 212, boné da Ferrari. Tudo original, originado dos camelôs de Santo Amaro e shopping Largo 13, outfit de quebrada.
“Vraammm vammm” fica ligeiro! Os moleques passam colados em você a milhão para subir a ladeira, já você cansa só de olha lá para cima. É bom explicar que quebrada não tem calçada, a gente vai andando pela rua e disputando espaço com os carros, motos, food trucks estacionados e os manos de bike.
Já estou suando, cansado e o rolê nem começou. Nossa! Já são meia-noite, é melhor já avisar nosso roteiro: primeiro vamos na DZ7, depois a gente desce para o baile do Bega, fechado?
As ruas já estão lotadas, penso que é impossível encher mais, mas quando olho para trás, uma multidão vem subindo, como numa procissão, mas ao invés das cruzes, guarda-chuvas e garrafas de Ciroc e Red Label nas mãos. Mas como pode? De onde vem tanta gente? Das quebradas claro, playboy não vem aqui, eles têm medo desse lugar. Medo de onde a gente mora. Certo eles.
“O tia, me vê um dogão e uma coca?”. Melhor eu dar uma ‘forrada’ no estômago antes de começar a beber, o dia… quer dizer, a noite vai ser longa.
“Senhor! Proteja e defenda eles do mal com o poder de tua divina graça”, um grupo de evangélicos na entrada do baile tenta impedir a gente de passar. Vou memorizar essa oração, talvez eu precise dela no fim da noite.
Em questão de segundos o baile fica vermelho como sangue, calma, são os sinalizadores que o dono de um dos carros de som acendeu. Atraídos pela luz , o bar que estamos fica tão cheio quanto uma colmeia de besouros. Ali parece que foi dada a largada da festa. O som que já era alto cresce de uma forma que entra na sua mente a ponto de você não conseguir diferenciá-lo dos seus pensamentos. Os carros são equipados com paredões super potentes cheios de luzes e letreiros que piscam conforme a música vai tocando. Em cima de alguns deles pessoas estão em pé, outras sentadas, algumas dançando e bebendo.
Parceiro, sabe onde fica o baile do Bega? “Mano, é só descer a Spencer e virar a segunda a direta” , diz o dono do bar enquanto acende mais um sinalizador, dessa vez azul.
Enquanto andamos em direção ao novo destino, você talvez se pergunte “e se começar um tumulto? Para onde eu vou?”, não tem para onde ir, por isso guarde aquela oração.
Passar pelo meio do baile é um rolê antropológico. Nos carros de som ficam várias meninas dançando e um bando de adolescentes de óculos escuro olhando. Na porta do Club 17 , um grupo de jovens, todos virados para a rua com garrafas nas mãos balançando no ritmo da música. Você tenta andar, mas é parado a cada três ou quatro minutos porque alguém precisa passar de moto no meio do fluxo.
Uma atração à parte são os guarda-chuvas ou umbrelas, pode escolher o nome que preferir. Todos de marcas conhecidas como Lacoste, Ferrari, Echo, o engraçado é que essas marcas não fazem guarda-chuva. Eles são balançados violentamente para cima e para baixo fazendo vento, se o objetivo é deixar o rolê climatizado eles são bem eficazes.
Chegamos no Bega. Como você sabe? Dá para perceber que o baile é um pouco diferente. Além dos carros de som com potência mais altas que um show do Metallica no Morumbi, aqui os DJs são bem vindos.
“Faz a pose, olha o flash” , diz o DJ Alef no bar MM Pointe com sua mesa de som virada para rua e comandando uma multidão. Dentro do bar quase não dá para enxergar, uma fumaça branca e um cheiro doce de morango paira pelo ar, ou seria melancia?
A hora de ir ao banheiro. “Todo mundo pagou 1 real lá no caixa?”, não tem como ele saber, a fila sai do bar de tão grande. Mas eu paguei, vai que ele sabe.
Durante um voo, a hora que eu tenho mais medo é a do pouso, parece que é o momento de menor controle do piloto. No baile , é a hora de ir embora.
Aqui na quebrada é muito perigoso, você pode estar de carro e ser alvejado com 108 tiros. Pode tentar apartar uma briga e ser morto pela polícia. Um piscar de olhos e você é pisoteado, parceiro. Você e mais sete, oito, nove. Essa é a periferia, que na falta de cultura e lazer contribui para a própria ignorância e termina elegendo suas próprias covas.
São 5h da manhã, aqui a hora voa e a vida também. Depois de um quilômetro de ladeira, chegamos de volta na Av. Hebe Camargo. “87 reais o preço do Uber até o Grajaú? Sé loco, nunca mais eu volto aqui!” Até o próximo fim de semana.