‘Sempre ouvi que depressão era frescura, até passar por isso’, diz MC G15 em um papo sobre fé e saúde mental

“Em um momento, eu estava na minha casa com meus sete irmãos vendo gente morta nas ruas, bala perdida. Corta para a próxima cena: eu famoso, responsável financeiramente pela minha família, pelos meus pais, tudo isso muito rápido. Esses choques afunilaram há dois anos quando tive uma crise de ansiedade e depressão, uma dor que eu não desejo para ninguém”, essas palavras são do Gabriel Paixão Soares ou MC G15, apelido que ganhou dos amigos justamente por ter 15 anos quando começou o seu sucesso no funk nos bailes do Rio de Janeiro.

Hoje com 23 anos, considerado um dos medalhões do funk e tendo lançado a música “Queria gostar Menos” em janeiro, descobriu que falar sobre saúde mental e fé se tornou, para ele, o novo normal.

Se você é de quebrada, deve ter ouvido alguma vez no rolê ou talvez até mesmo pense: “Depressão é coisa de rico que arruma problema só para gastar dinheiro”. Mas calma, você não está totalmente errado, então como diria o Brown, “como eu estava dizendo sangue bom isso não é sermão ‘lê aí’ tem o dom?”.

Historicamente, somos o povo que mais trabalha, mais morre, mais sofre e que menos tem recursos, dá para exigir alguma coisa da quebrada?

Pandemia, alta de desemprego e muita morte rolou no último ano e talvez, por isso, o tema da redação do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) tenha sido ‘O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira’, uma forma de o governo aproximar os jovens da importância de se preocupar com a saúde mental. Ótima iniciativa do Ministério da Educação, mas não é nem de longe suficiente para uma conscientização sobre o tema.

Conversando com a Tamiris Crystini Motta, psicóloga clínica e social, e que atua no Serviço de Proteção Social a Crianças e Adolescentes Vítima de Violência, ela comenta que a falta de interesse do Estado em investir de forma mais regular e efetiva nas políticas públicas de tratamento psicológico faz com que a periferia tenha essa rejeição natural ao tratamento.

MC G15, Ingryd Tawane e a filha do casal Yunet (Foto: Divulgação)

“Como não achar que um tratamento particular e clinico não seja excludente? Uma consulta com um profissional custa no mínimo entre R$ 80 e R$ 100 reais, como alguém que ganha um salário mínimo de R$ 1.100 pode arcar com isso 4 vezes no mês? Isto em si já é um mecanismo de exclusão, O obvio desta questão é que dificilmente a Dona Maria que cuida de 3 filhos e mais alguns netos, com renda mínima e algum trocado de programas de transferência de renda terá condições de disponibilizar esta verba para cuidar de si,” diz Tamiris.

Mas não é sobre dinheiro, diz o MC G15. “Eu precisei cair em depressão e sentir essa dor para começar a me tratar. Quando você está na comunidade, você só pensa em trabalhar e se divertir no tempo que sobra, não tem tempo para discutir sobre tratamento psicológico”, conta.

Histórias de artistas da periferia como a do G15 não é uma exceção. Em entrevista para o site Kondzilla, a cantora Deise Tigrona conta como a depressão parou sua carreira. “Eu tinha uma turnê imensa na Europa, tinha conseguido um visto para o Canadá, estava tudo indo de vento em popa, quando tomei essa pancada. Perdi meu rumo, perdi meu chão. No momento, eu não tinha sentido que aquilo atrapalharia minha vida e nem mesmo vi como depressão. Foi uma sobrecarga. E com o tempo, fui percebendo que minha mente não estava aguentando, até que fui parar no hospital. Depois de fazer uma bateria de exames, o médico falou que eu estava com depressão”, relembra Deize, que ficou afastada dos palcos no auge da carreira em 2009. A cantora foi trabalhar como gari durante essa pausa, até voltar a compor músicas em 2018.

Deize Tigrona em divulgação da música “Vagabundo” de 2019 (Foto: Divulgação)

Sobre chegar muito rápido ao topo, a psicóloga Tamiris comenta: “hoje, é tudo muito fluído, líquido. Os objetos de desejo e o consumo se desfazem na mesma lógica que atingem o topo. Além de sujeitos que querem o gozo, eles se tornam esses objetos. E são eles que têm que se deparar com a realidade da liquidez passageira”, pensamento que ela vincula a liquidez que o sociólogo Zygmunt Bauman traz em seus livros sobre a modernidade e o mal-estar social.

Funk e fé

A fé é algo marcante na quebrada. Ela é como se fosse um remédio tão potente quanto o benzetacil que o médico te aplica no posto por estar com uma simples virose ou ter quebrado a perna. Força que faz com que muitos se agarrem a ela como uma fonte de equilíbrio psicológico.

Logo após esse que foi o pior episódio vivido por G15 que relembra, “era uma constante sensação de morte”, ele canaliza essa experiência para a produção do álbum “Lado B”, sete faixas com mensagens para sua família, reflexões sobre suas crenças e Deus.

Pergunto se pensa em largar o funk se tornar um cantor gospel. “Penso muito sim, mas é uma coisa que vai rolar mais para o futuro. Espero dar muita alegria no funk ainda, principalmente voltar aos shows, mas tenho frequentado a Congregação Cristã sempre que eu posso, e isso tem me ajudado muito. Quando realmente chegar o momento vou mudar” comenta o cantor.”

Veja o caso do ex-cantor de funk Tonzão do grupo Os Hawaianos, por exemplo. Em 2007, seria fácil o encontrar sem camisa, cabelo “loiro pivete” e cantando: “traição é traição/ romance é romance/ amor é amor e um lance é um lance”, hit que o tornou um dos funkeiros mais cobiçados pelas novinhas naquele ano.

Em 2011, ele sai do grupo e se torna pastor da igreja Assembleia de Deus e começa a carreira de cantor gospel. “A paz do Senhor, irmão!”, agora é o que você mais ouve ele falar.

Cinco anos depois, em 2016, sua esposa Cibere Almeida emite uma nota explicando os motivos do marido estar saindo da igreja. Em um dos trechos, ela resume: “cansado de tudo, meu esposo acabou largando o funk no auge da carreira, na época que mais ganhou dinheiro na vida. Ele estava com o coração aberto para Cristo e dali ele poderia fazer o que queria e o que fosse preciso para Deus. Meu esposo nunca devia ter cantado funk sem de fato ter sido liberto dele”.

Hoje sem funk, sem o gospel e depois de muitas reviravoltas, Tonzão é considerado um dos precursores do funk gospel surgido em 2015 e que teve um dos hits do ritmo de sua autoria, “Temos de montão”. Seria a fé um substituto mais efetivo do tratamento psicológico na periferia?” A pergunta não pode ser abordada pelo viés da substituição, ambas têm suas funções e ocupam um lugar na vida do sujeito, não se excluem ou substituem e também não se fundem, diz Tamiris.

“A solução óbvia seria mais investimento do Estado em material humano, quanto mais profissionais qualificados nos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) e SUS, mais as famílias das comunidades estarão familiarizadas com a psicoterapia. Mas não temos psicólogos suficientes, acaba que nós ficamos sobrecarregados e não conseguimos ajudar as pessoas da forma correta”, conclui Tamiris.

“Existe uma questão primordial de oferta e demanda na saúde mental, inclusive reprimida da qual a oferta “profissionais/Recursos Humanos” é limitada trazendo uma exaustão ao quadro de profissionais que atuam na linha de frente e isso acaba adoecendo também o profissional. Os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), CRAS (Centro de Referência da Assistência Social e os CREAS (Centro de Referência Especializada da Assistência Social) são um dos serviços que atuam junto à comunidade na linha de frente com as questões de saúde comunitária”, conclui a psicóloga.

O mais importante é conscientizar a periferia que psicologia é algo importante para a saúde. Quando artistas como o MC G15 assumem fazer terapia, isso motiva outros jovens a entender a gravidade do problema. “A terapia mudou minha vida, vou fazer para sempre, não me imagino vivendo sem isso”, completa o cantor.

Saúde, seja ela física ou mental, é um direito de todos. O Ministério da Saúde diz que todos os municípios com mais de 15 mil habitantes precisam oferecer esse tipo de atendimento.

Ainda é possível encontrar atendimento em redes de saúde municipais, como o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS).

Serviço:
Se você é morador de São Paulo acesse esse linque prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/atencao_basica/index.php?p=204204 .

Se você não é morador de São Paulo, pesquisar “Atenção Psicossocial” no site gov.br e vai aparecer uma lista de assuntos e sites relacionados a isso.

Se for um caso urgente ligue para o Centro de Valorização da Vida discando 188