‘Sonho em fazer clipes pelo mundo’, diz MC Soffia que completa 10 anos de carreira
Aos 17 anos e com uma carreira de dar inveja a qualquer MC iniciante, MC Soffia conta que em 1o anos os temas da quebrada continuam os mesmos
Há dez anos, Soffia Gomes da Rocha Gregório Correia era apenas uma criança de 7 anos, criada na zona oeste de São Paulo, que mesmo tão pequena já começava entender seu papel no movimento negro e periférico. Hoje, adolescente e com o currículo no rap de dar inveja a qualquer MC de primeira viagem, MC Soffia continua cantando letras de valorização da beleza da mulher negra e de empoderamento feminino.
Foi uma década de muito trabalho para ela, sua mãe Kamilah Pimentel, que é sua produtora musical e que estuda direitos autorais, e sua avó Lucia Regina, que a assessora em sua carreira. “O legal da minha família materna cuidar da minha carreira é que para fazer uma reunião eu nem preciso sair de casa”, comenta a rapper.
Em meio a pandemia e com perdas de familiares pelo coronavírus, Soffia tem focado em estudar idiomas e produzir cada vez mais músicas. “Meu sonho é fazer clipes ao redor do mundo e ser reconhecida na América Latina”, comenta a rapper que se apresentou na cerimônia de abertura das Olimpíadas Rio 2016 com a também rapper Karol Conká.
Internet, cancelamento, empoderamento e futuro no rap foram alguns assuntos que conversei com Soffia e que você pode conferir agora.
Família e carreira
Minha família materna é a que cuida da minha carreira. Minha mãe, por exemplo, está fazendo faculdade de direito para entender melhor sobre direitos autorais. Eu gosto muito da forma que é, me sinto confortável, se preciso fazer uma reunião, já estamos em casa. Quando eu falo, “quero lançar essa música, com esse beat”, eles entendem e acreditam muito em mim.
Eu sempre me impus bastante em como eu queria na minha carreira, seja nas roupas, nos videoclipes, nos beats das músicas, nas letras, então minha família se acostumou a sempre me ouvir e apoiar o que eu quero.
17 anos e muito a percorrer
Sempre quis ter uma carreira artística, sempre quis mais do que só cantar. Já fui modelo, já fui atriz, participei de filmes e séries, quero muito continuar com isso. Quero criar uma marca de sapato. Eu tenho muita coisa na cabeça.
Representatividade e o sonho de produzir desenhos
Eu gosto de desenhos animados. Quando eu era mais nova, eu sentia falta de ter um desenho com uma menina preta. Só quando eu tinha uns 10 anos que comecei a assistir a “Doutora Brinquedo” [desenho do canal pago Disney Junior]. Ela é super importante, acho que deveria ter mais desenhos como esse.
Não temos que nos contentar com a minoria nos desenhos. Eles falam: “vamos colocar um preto aqui para contemplar o quadro de pretos”. Mas eles não entendem que a maioria no Brasil são pessoas pretas. Por isso não quero ficar me contentando com um personagem preto só no desenho.
Por isso quero ter o meu próprio programa de TV. Ele teria apenas pessoas pretas, os convidados seriam jovens e eu seria a apresentadora. Cada dia eu estaria com um cabelo diferente para que as meninas começassem a se inspirar, ter referências. E não só de mim, mas também de outras pessoas do programa.
E quero também fazer um desenho para crianças. Se deixar, a minha irmãzinha assiste desenho o dia todo. Quando eu vejo o que ela tá assistindo, nunca são desenhos de pessoas pretas. Então eu gostaria de criar um desenho nesses canais tipo Gloob ou Discovery Kids, de uma adolescente preta que teria o cabelo black armado, ela seria uma sneakerhead [uma colecionadora de tênis], e cada dia da semana ela pegaria um de seus tênis para fazer um esporte. Na segunda, ela pegaria o tênis de skatista; na terça, de basquete; na quarta, de futebol, e aí por diante. E faria todos esses esportes, todas essas coisas radicais sendo uma mulher, sendo preta e se divertindo. As amigas dela seriam rappers, elas usariam fone de ouvido, caixa de som… Eu queria trazer esse tipo de conteúdo nos desenhos.
Pandemia e estudos
Eu perdi meu avô e tio por parte de pai. São tempos muito tristes. A gente nem sabe quando as coisas vão melhorar, os 40 dias da quarentena já passaram e continuamos dessa forma. Então nesse momento, eu estou me planejando. Como a minha equipe é familiar, a gente vem fazendo várias reuniões para conversar sobre lançamentos, sobre divulgações. Não estou só escrevendo música, estou fazendo outros projetos também. Estou aproveitando esse momento para isso: para fazer muita música, para estudar bastante, fazer meu curso de espanhol e inglês, terminar meus estudos. Quero me estruturar nesse momento.
Internet, bullying e cancelamento
Sempre entendi que a internet tem um lado bom e ruim. O bom é que eu consigo mostrar meu trabalho de forma bem mais fácil, o ruim é que qualquer um pode comentar positivamente ou negativamente.
A Karol Conká é muito correria. Trabalhamos juntas na abertura das Olimpíadas e depois disso, sempre que dava, eu estava junto com ela. Quando ela foi para o BBB, e depois que tudo aconteceu, eu vi que a crítica às mulheres pretas tem um peso maior no linchamento. Eu como mulher preta, não vou criticar ela na internet. É isso que a internet quer, eles querem colocar um preto contra o outro.
Eu não assisto BBB, mas não tinha como não saber de tudo. O cancelamento na internet foi muito grande. Eu não vou ficar criticando, posso dar minha opinião dentro de casa, mas nunca na internet.
Ídolos, referências e trap
As meninas no trap estão vindo com tudo. Eu prefiro muito ouvir mulheres do que homens. Elas trazem letras bem mais avançadas, você ouve e percebe como são complexas, elas juntam uma coisa na outra. Ouço muito Tasha e Tracie, essas meninas têm acrescentado muito na cena do trap.
Mas sempre tive como maior ídolo a Beyoncé, ela sempre foi a minha maior referência na música. Desde que eu decidi ser cantora, eu me inspiro nela. Na sua postura, personalidade, no jeito que faz os shows, nas suas roupas, ela é maravilhosa. Mas gosto muito também da Rihanna, da rainha do rap Nicki Minaj. E tenho ouvido muito mulheres que cantam letras empoderadas como a Lizzo, Normani, a Iza, Ludmilla, Tássia Reis. Minha playlist tem muita mulher boa.
Até por isso, em todas minhas inspirações na música, eu trago referências americanas. Eu fico vendo os looks, os beats das músicas, como eles compõem. Eu pego tudo isso e trago para o meu estilo aqui, escrevo as letras com empoderamento e uso o rap para falar o que eu estou sentindo, o que vejo nas periferias. Observo muito como a sociedade se comporta, por isso falo tanto de racismo, feminismo, amor próprio, empoderamento.
O antirracismo, palavra que parece que surgiu recentemente, o Black Lives Matter e as manifestações que aconteceram no passado, tudo isso já apareciam nas minhas letras. Sempre falei do racismo.
Invisibilidade na música
As mulheres estão conseguindo cada vez mais espaço na música, seja no rap ou no sertanejo. Com a ajuda da internet, estamos tendo mais visibilidade. O machismo nos obriga a lutar sempre.
Fiz uma música que vou lançar esse ano chamada “Papo Reto”. Ela fala da invisibilidade da mulher no movimento musical, não só o rap, mas sertanejo, funk, trap, em todas as áreas da música. Por mais que no sertanejo as mulheres tenham alcançado um lugar legal, os homens ainda são muito mais famosos que elas.
Vi uma matéria recentemente que dizia que a Marília Mendonça, antes de começar a cantar, escreveu muitas letras de músicas que são estouradas no Brasil. Quando ela meteu as caras para cantar suas próprias músicas, ela representou muito as mulheres na cena.