Jeferson Delgado: A imagem da periferia não pode ser banalizada

Gigante da fotografia e referencia na cultura de quebrada, Jeferson fala como sua profissão não é inclusiva

Uma viela, crianças sentadas nas escadas, sem camisa, sem chinelo. Marcas de tiros nas paredes e esgoto a céu aberto. Essa é uma estética muito comum ao retratar uma favela em uma foto. Sujeira, poluição visual e sentimentos à flor da pele.

Jeferson Delgado comemorando o lançamento do disco Jovem OG, do rapper Febem, que ele fotografou (Foto: Tassio Yuri)

Como fazer diferente? Jeferson Delgado, 22, vai na contramão de tudo isso. Jornalista, diretor e, principalmente, fotógrafo de quebrada, hoje ele é uma das referências na imagem do rap nacional e conta com um arquivo de registros da cena nos últimos anos. 

O caminho entre a faculdade de jornalismo, vender bebida no isopor para pagar as contas, até ser o fotógrafo oficial da turnê do Racionais MCs não foi fácil. Mesmo muito jovem, Jef precisou se fragmentar em vários personagens para conseguir viver da imagem.

Mano Brown registrado por Jeferson Delgado

A fotografia não é acessível nem inclusiva. O celular é uma opção para iniciar e aprender a profissão, mas não faz alguém se tornar um profissional da área usando apenas ele. Mesmo equipamentos de baixo custo ou usados ainda estão longe de terem valores alcançáveis para alguém que vive com um salário mínimo.

Isso faz com que sempre os mesmos profissionais sejam contratados. Sobre isso, Jef comenta: “Quem se sobressai dentro dessa área ou quem consegue dar um upgrade nos equipamentos constantemente? Quais são os fotógrafos que se destacam no Brasil hoje? Quando a gente responde essas perguntas fica claro que a fotografia não é acessível”.

Miguel Rio Branco é um destes gigantes da fotografia nacionais. Em entrevista para a Folha de S.Paulo, ele comentou como tem visto a fotografia nos últimos anos: “A fotografia virou algo banal. Documentar um mundo que já é continuamente documentado não me interessa mais”, ele comenta.

Banal para quem? Frases como essa tendem a colocar a arte em um patamar ocupado apenas por quem já está nele, como se o que vier depois não faz mais sentido.

Falando sobre a distância entre termos oportunidades e aceitar nossa realidade, Jef comenta: “Quando o Mano Brown diz: ‘Como fazer duas vezes melhor, se você tá pelo menos cem vezes atrasado pela escravidão?’ Eu vejo os caras brancos que não precisam de oportunidade fazendo os trampos que qualquer um de nós poderia fazer. Nós nascemos no olho do furacão. Quantos rolês eu não deixei de fazer, quantas pizzas eu não deixei de comer para economizar e poder comprar minha câmera? Isso chega a ser desleal”, ele comenta. Fazer muito com pouco está no nosso sangue. 

Prova disso, é que no outro lado da moeda, Delgado tem colocado seu olhar crítico em capas de discos como dos rappers Djonga e Febem, e fotografado shows históricos como do Emicida no Theatro Municipal, evento que virou documentário. “Quando me chamaram para fotografar esse show, eu vi que o meu trampo estava indo longe”, lembra Jef.

Jeferson Delgado fotografou o show do Emicida no lançamento do álbum AmarElo, evento que virou documentário na Netflix

Ninguém cresce sozinho na quebrada. O baile, por exemplo, só acontece por causa do MC que nasceu na periferia e canta sobre ela, o carro de som vem junto e traz o cara da bebida com ele, o food truck, a tia da bala e do cigarro, tudo o que nasce na quebrada se torna uma corrente para todos ganharem.

Na fotografia, não é diferente, Jef observa: “Meu assistente é excepcional. Ele trabalhava numa pizzaria. Eu falei pra ele: ‘mano, eu não consigo te pagar muito, mas quero que você trabalhe comigo. Vamos juntos?’ Falei que ele ia sair da pizzaria trampando com foto. Hoje ele recebe mensal, saca? Ele já tá ganhando o que ganhava na pizzaria. Isso é muito doido, uma pessoa preta e dando trabalho para outra pessoa preta da quebrada”, conclui.

“Os que têm a sensibilidade e a frieza na hora de olhar o mundo, serão os responsáveis pelos outros olhares”, essa frase da música “Movimento”, do rapper BK, traduz o que são fotógrafos como Jef Delgado para nós. A sensibilidade do seu olhar para a periferia representa os outros olhares. “Para que a nossa poesia não seja mais escrita com sangue”.