Funkeiro mais ouvido do país, MC Don Juan fala da fórmula da liderança e dos quase 10 anos de carreira

Um romântico, mulherengo, libertino, plebeu e incrivelmente sedutor. Este foi Don Juan, personagem da literatura espanhola que seduzia as novinhas da realeza e era perseguido e criticado pelos conservadores religiosos.

Séculos depois, agora no Brasil, Don Juan é chamado de rei da putaria e o seu lema é, “Oh novinha eu quero te ver contente, não abandona o…”. Impossível não completar mentalmente este trecho da letra, caso você tenha sido apenas um jovem em 2016.

Cria da Cheba, comunidade do extremo sul de São Paulo, MC Don Juan tinha apenas 15 anos quando divulgou “Oh Novinha”, um dos seus maiores hits— hoje com 86 milhões de visualizações no YouTube e outras 44 milhões no Spotify. Números que levaram Matheus Wallace, ou Don Juan, a ser um dos embaixadores do funk em outros ritmos como sertanejo e o brega. 

Prestes a completar 10 anos de carreira, mesmo com apenas 20 anos de idade, ele viu o seu trabalho, do funk proibidão ao funk light, sempre presente no mainstream. Ele diz: “Quando me lancei no mercado, foi no funk putaria. Na época, eu tinha que cantar aquilo para dar certo, era o que as pessoas queriam ouvir”. 

Bailes, funk light e as grandes mudanças do movimento cultural que mais cresce no Brasil– e que ele foi um dos grandes responsáveis– foram alguns dos temas que conversei com o funkeiro. Dica: Ouça a playlist enquanto lê.

 

Como surgiu o Don Juan?
Quando comecei minha carreira, meu nome artístico era MC Menor, mas, na época, tinha muito moleque com nomes parecidos com esse. Aí em uma resenha com meus amigos um deles perguntou “por que você não usa MC Don Juan?”. Achei legal, era diferente. E foi o nome que me colocou no cenário do funk e que me deu fama até hoje.

E isso foi quando?
Me lancei no funk aos 12 anos de idade, na comunidade Cheba, em Interlagos, onde eu morava com a minha família. Minha primeira música foi “Le Lalaue Lalaia”, em 2014. Não foi um estouro, mas bateu forte na minha quebrada. 

Em 2017, acertei a música que foi meu divisor de águas. “Oh Novinha” foi mágico, tocou no Brasil inteiro, um sonho realizado. Liguei a televisão e vi minha música sendo tema da novela na Globo. Tá ligado? Aquela novela em que a Juliana Paz participava, “A força do Querer”. Daí em diante foi muito trabalho.

Muita coisa na sua carreira mudou nesses 10 anos, inclusive os estilos que você tem se envolvido.
Minha maior paixão na música sempre foi o funk, mas música é música. Ouço de tudo, muito rap, sertanejo e pop. Quando me lancei no mercado, foi no funk putaria. Na época, eu tinha que cantar aquilo para dar certo, era o que as pessoas queriam ouvir.

Tinha muita vontade de arriscar e cantar outros estilos. Com certeza, hoje com uma carreira sólida e bem construída, minha vontade é de me jogar e fazer músicas novas de estilos diferentes, me tira da zona de conforto. Conectar o funk com outros estilos é daora, isso cria um ritmo novo e quebra barreiras. Entendo a importância de levar a minha voz a outros estilos. E cada vez mais longe e para mais pessoas.

Pensa em mudar completamente de ritmo?
Eu nunca vou perder a minha essência, o funk me deu tudo e nunca vou abandonar esse estilo. Meu público vem das quebradas e eu sempre vou honrá-los. Hoje em dia, nosso movimento cresceu muito, nossa música conversa com todo tipo de pessoa. Conseguimos fazer músicas com palavrões e fazer as versões lights para rádios e TVs. 

Estamos evoluindo dia após dia, a música está evoluindo. Isso é muito legal porque você vê minhas músicas tocando em festas de crianças, colégios, famílias ouvindo e fazendo coreografia no TikTok e vê a rapaziada da quebrada curtindo igual. Música é energia e a galera se identifica porque a gente é de verdade.

Qual o papel do funk na sociedade?
Um papel fundamental. Funk é um movimento foda, é cultura, é linguagem, uma forma de expressão, é dança, é alegria, é festa. Hoje, se você entrar numa quebrada, a maioria das crianças quer ser MC. Eles querem viver de arte assim como, durante muitos anos, o sonho de toda criança era ser jogador de futebol.

O funk é esperança, é sonho. Ele é um movimento de extrema importância para o país hoje. Funk gera emprego, movimenta economia e salva vidas. Hoje o menor vê que é possível viver de música. Apesar de todas as dificuldades que esse país nos coloca, muitos vão conseguir realizar esse sonho por meio do funk.

O preconceito com o ritmo ainda é um problema para você?
Isso sempre existiu, mas eu sou exemplo que o funk está gigante e só vai crescer e evoluir. Essa evolução já está acontecendo e as barreiras estão sendo superadas. Quem diria que a música mais ouvida do país seria um funk? Estamos derrubando esse preconceito pouco a pouco, dia após dia. Até porque funk é o Brasil, a voz das quebradas e uma forma de expressão, não tem como invalidar essa cultura. Funk é vida.

Como foi o amadurecimento do Don Juan de 12 anos e o de 20?
Nasci na Cheba e morei por muitos anos lá com a minha família. Depois de muito trabalho, consegui comprar uma casa em Interlagos, na região da represa, para morar com minha família. Hoje estou em uma nova fase da minha vida, mais amadurecido, morando sozinho na Mooca. Deus é bom demais.

Qual a fórmula para sempre estar entre as primeiras posições no Spotify?
Hoje sou o funkeiro mais ouvido no Spotify no Brasil. Batemos mais de 9 milhões de ouvintes mensais. Trabalho desde os 12 anos com muito esforço, são noves anos de trampo pra chegar nisso. Eu sou um sonhador, sempre vou trabalhar pra me superar. Não imaginava alcançar esse número, isso só me faz trabalhar mais, escrever mais, e criar mais músicas.

Me manter nessa posição é o mais difícil. Tenho que trabalhar muito para manter a liderança. Tenho duas músicas no top 5 das mais ouvidas no Brasil: “Bipolar”, em parceria com MC Davi e MC Pedrinho  e que está a duas semanas seguidas no top 1 Brasil, e “Liberdade”, com Alok, que se mantém em quinto lugar no top Brasil, apesar de ter sido lançada há cinco meses, continuamos em alta.

Como funciona seu processo de criação?
Eu tenho facilidade para escrever, as palavras fluem de boa. É difícil de explicar esse processo, mas quando eu escuto a batida, abro meu bloco de notas e as palavras já vem surgindo. Só preciso definir a melodia e a levada que vou seguir, ou o tema. Normalmente, minhas músicas são feitas em poucos minutos e tudo na hora mesmo. Gosto de criar com os produtores, levo as referências, sons, batidas, qualquer parada que eu tenha ouvido e brisado. Acho que tudo flui por conta dessa troca de energia depositada ali na hora que a música nasce. Já gravei 8 músicas do zero em apenas algumas horas.

O que toca na sua playlist?
Eu escuto de tudo, de Caetano Veloso a MC Hariel. Tô ouvindo bastante a galera da nova geração do funk, mas, no fundo, gosto mesmo é de ouvir meus amigos. Escuto muito as músicas que o produtor Pedro Lotto produz, gosto do som do meu mano Klawss, inclusive lançamos uma juntos no final do ano passado. Ouço muito a molecada do trap também.