Nego Bala: A música é a única liberdade quando se está preso
Um provérbio africano diz: “nunca se esquecem as lições aprendidas na dor”. Foi com esse cruel sentimento que Marcelo Abdinego Justino Genero, nome de origem do funkeiro Nego Bala, aprendeu a conviver.
O músico foi criado pelo pai, que era ambulante, e sua mãe, dependente química. Ele cresceu na Boca do Lixo, como é popularmente conhecida uma região na Luz, área central de São Paulo, e passou pela Fundação Casa ainda na adolescência.
Este episódio da vida do músico, hoje com 23 anos, é o que inspira seu álbum de estreia, lançado nesta quarta-feira, 24. em formato audiovisual. Intitulado “Da Boca do Lixo”, o disco é composto por nove faixas.
A obra é um breve resumo da vivência do cantor, que foi um garoto da Cracolândia, viveu intensamente a rua e acabou seguindo por caminhos mais próximos, como o crime. “Usei a arte como válvula de escape. Escrevendo, compondo e cantando”, afirma o MC.
Além do disco, um curta-metragem com voz da cantora Elza Soares, revisita os dias que o MC esteve privado da liberdade. Idealizado pela AKQA\Coala.LAB e produzido pela Stink Films —mesma produtora de Bluesman, do rapper Baco Exu do Blues, vencedor de um Grand Prix na categoria “Entertainment for Music” do Cannes Lions— o filme está disponível no canal de YouTube do Nego Bala.
“Ter a Elza é uma responsa muito grande por se tratar de uma artista completa. Ela cantando uma poesia que escrevi quando era menor, com toda atenção e carinho do mundo, foi emocionante. Eu ainda estou processando toda essa história, espero ter chegado à altura do que ela representa”, conta o funkeiro que tem a companhia da cantora também na música “Sonho”, presente em seu novo disco.
O curta de aproximadamente dez minutos de duração, dirigido por Douglas R. Bernardt, apresenta a passagem de Nego Bala pelo centro de detenção para jovens como ponto de partida de uma trajetória por novas possibilidades para além daqueles muros. “A gravação foi um flash de várias emoções e um misto de aprendizado monstro pelo qual passei”, afirma o MC.
O enredo do vídeo exibe a vasta capacidade da dança e da música de se conectar a ancestralidade do povo negro e ligar o passado com o presente. Conexão que é presente na vida de Nego Bala desde a infância. “O Rap estava no meu dia a dia sempre. Ouvia Sabotage, Racionais MCs, Consciência Humana, De Menos Crime, Facção Central e SNJ. Viver no centro histórico de São Paulo é conviver com a música.”
Por outro lado, o cantor afirma que não teve pessoas próximas que o inspirasse na carreira de músico. “Na Cracolândia, minha quebrada, eu não via muito MC’s. Na verdade, nenhum. Isso me motivou bastante também em levar o nome do Centro pro mundo, mostrar que temos voz”, diz o músico.
Esse desejo foi a motivação que teve quando ainda era interno. Nego Bala afirma que sempre foi seu sonho lançar um disco quando estivesse em liberdade. Essa meta foi fundamental para que ele se mantivesse em equilíbrio, mas também serviu de inspiração para seus parceiros de detenção.
“Quando você está preso, a única coisa que você tem para se libertar é a música”, afirma. Ele acrescenta: “boa parte do que escrevi privado da liberdade está no álbum. A atmosfera rítmica da cadeia tá toda no disco também. A música está soando como eu queria ouvir. Espero que as pessoas gostem do trabalho que fizemos”.