O rap ainda é uma competição injusta para músicos nordestinos, afirma Don L

Há dez anos, Gabriel Linhares da Rocha, nome de batismo do rapper Don L, reunia dinheiro e motivação para ir a São Paulo, deixando para trás Fortaleza, sua terra natal. A trajetória dessa jornada é o pano de fundo do seu novo disco “Roteiro para Aïnouz, Vol.2”, segundo da trilogia anunciada pelo cantor, que foi lançado na madrugada desta sexta (26) nas plataformas de streaming de música. Nele o cantor narra as estradas em que percorreu e imagina novos caminhos para o futuro Brasil.   

Diferente do disco anterior onde o músico de 39 anos expressa a decepção ao chegar na capital paulistana, desta vez, Don L usa os acontecimentos durante seu trajeto de 3000 quilômetros entre as duas cidades como metáfora de morte e renascimento. “Quando falo de um bandido do século dezoito e a corrida do ouro, na faixa Vila Rica, o cenário pós-apocalíptico de quando morrem os grandes sonhos e a vida acaba se torna uma guerra particular. A morte, e então o renascimento, a reconstrução deles a partir das cinzas da destruição do colonialismo, esse fracasso civilizatório que permeia nossas vidas por todos os lados.” afirma o cantor.

Outro tema sempre presente nas músicas de Don L é a desigualdade feita em sua visão pela indústria do rap, que prestigia menos os músicos do nordeste do país em comparação com o cenário do mesmo ritmo no sudeste —mas confessa ter visto mudanças. “Acho que contribuí para um progresso nesse sentido, de tornar possível rappers do nordeste se colocarem como competitivos na cena nacional. Mas continua sendo uma competição injusta, desigual. A mudança real tem a ver com estruturas muito mais profundas, com projeto de país e nossa diversidade cultural. E, no momento, o que existe é o desmonte do que já era frágil”.

Don L durante gravação de clipe para seu novo álbum ‘Roteiro pra Aïnouz, vol. 2’ ( Foto: Bel Gandolfo/ Divulgação)

O disco que tem assinatura artística de André Maleronka, mesmo dos últimos três trabalhos do cantor, traz diversas participações como Tasha e Tracie, Djonga e Alt Niss e faz o cantor se unir a cena mais nova do rap. “Nesse disco eu tento propor novos caminhos a partir de elementos que essa nova escola traz”.

Don L ainda afirma que uma das propostas do disco é conversar com a geração que o tem como inspiração, e que isso o tem incentivado a estar atento a outros ritmos derivados do rap. “Sempre bebo da água dos clássicos da música brasileira e do hip-hop mundial. Vou do funk, trap e drill aos clássicos do samba”.

Outro destaque é a capa do álbum —que virou até filtro no Instagram— teve projeto gráfico de Filipe Fillipo e fotografia de Autumm Sonnichesen. A obra faz uma releitura do disco “The Chronic” do rapper Dr Dree e mistura referências de discos dos selos americanos Strata-East e Black Jazz.  

Esse enredo criado por Don L e sua equipe foi pensado em parte como uma obra cinematográfica. “O tema do disco faz referência ao diretor de cinema cearense Karim Aïnouz. A opção de fazer uma trilogia reversa tem a ver com minha trajetória, de ter demorado a ser reconhecido na cena musical brasileira. Tenho uma longa história para contar e ressignificar o passado para aí sim construir um caminho novo para um futuro que valha a pena a luta”.